Carrie, a Estranha
O sucesso comercial de Stephen King não esconde suas imensas limitações artísticas. Isso, porém, não impede e funciona até como incentivo para que suas obras fáceis sejam adaptadas aos milhares para o cinema e televisão. Como não podia ser diferente, o resultado é assustador, no mal sentido. Entretanto, há exceções. São obras como O Iluminado de Kubrick e Christine de Jonh Carpenter - mérito integral dos cineastas e não do fio de trama puxado por Stephen King. No meio dessas exceções, há Carrie, a Estranha, que não por acaso ganhou status de cult. O filme concorreu a dois oscars (atriz e atriz coadjuvante, Spacek como Carrie e Piper Laurie, no papel da mãe repressora) e ganhou alguns prêmios, além de ter sido um sucesso de bilheteria. Mas não é esse reconhecimento comercial que faz de Carrie um filme acima da média, e sim a coragem em se assumir como uma obra baixo astral e angustiante. Além, é claro, de abordar com propriedade o universo feminino.
O filme é extremamente feminino (não feminista) ao centrar sua trama nos conflitos de mulheres e ao apresentar homens como meros instrumentos. Os “machos” simplesmente não têm importância, não tomam nenhuma atitude, seja o professor de literatura efeminado ou o galã, que apenas personifica a ascensão social. A passividade masculina incomoda. O momento em que a maquiavélica Chris Hargenson (Nancy Allen) convence o namorado Billy Nolan (John Travolta) a participar de uma sórdida brincadeira usando de recurso sexual é um reforço da fácil manipulação do sexo masculino.
Direção eficiente de um jovem Brian de Palma e uma enxurrada de possíveis astros e estrelas dão o tom certo a trama da menina com poderes de telecinese. Soma-se a isso o estilo setentista em pleno auge, o filme é de 1976. Cabelo, carros, gírias, maquiagem, roupas – enfim, tudo lembra aquela época. Tanto que assistir ao filme em DVD remasterizado acaba sendo um aspecto negativo, pois Carrie é pra ser visto em VHS usado.
A trama mostra a menina insegura, motivo de chacota na escola, simplesmente, por ser introvertida. Pausa para a interpretação perfeitamente melancólica de Sissy Spacek (na época com 27 anos) e o uso adequado de seus grandes olhos azuis. Carrie White também traz na mãe Margaret (Piper Laurie), fanática religiosa e protetora, outro fardo. Escrito por Lawrence D. Cohen (especialista em adaptar obras de Stephen King), o roteiro não é nada sutil em mostrar o “talento” da menina. Em menos de 20 minutos de projeção, Carrie já faz uso da tecinese em três situações e parece controlar com perfeição absoluta seus poderes. Bem, o lance é que as populares da escola recebem uma punição severa da professora de educação física, Srta.Collins (Bett Buckley), pelas zombarias que fazem com Carrie. A mimada Chris não aceita e acaba sendo severamente punida com a não-participação no aguardado baile de sêniors. Resultado: brincadeira brutal pra cima de Carrie. Por fim, a inevitável vingança da menina no baile.
Além de Carrie, uma personagem secundária tem destaque - Sue Snell (Amy Irving). A menina é uma descolada bem resolvida e com família estável que se sensibiliza com a inocência de Carrie e oferece o namorado bonitão Tommy Ross (William Katt) como parceiro para a garota no baile. A motivação de Sue parece ser cruel, mas depois descobrimos que é ato de puro altruísmo. Mal estruturado, uma vez que a atitude do casal não se encaixa com o posicionamento desleixado e arrogante dos personagens no início do filme. Estamos diante de personagens complexos e bem elaborados com motivações oscilantes como nos romances de autores russos? Pouco provável – Carrie é um excelente filme e ousa em vários momentos, mas é cinema americano baseado em obra de Stephen King! Fico com a opção de que seja um falsete do roteiro para humanizar mais as personagens da trama.
A cena inicial e a apresentação dos créditos, por sua vez, são atrevidas em mostrar a nudez frontal das garotas no vestiário feminino, a alegoria é lúdica. O contraste com a zombaria, destacando risadas sarcásticas em primeiro plano, é um ponto forte do filme. Aliás, no início, a ignorância de Carrie em lidar com a primeira menstruação é desconfortante. Ela fica no chuveiro, confusa e angustiada com a situação. No pós-clímax, Carrie volta a se lavar do sangue agora impregnado em todo o corpo. A condição de mulher extrapolou a da menina, então ela se lava e volta a triste, mas confortável e inocente posição inicial. Enfim, uma obra bem acabada e que proporciona reflexões que vão além do maravilhoso desbunde visual no massacre no baile.
Ponto Alto – as referências a Hitchcock, principalmente Psicose, que vão da música à composição de personagens e cenários. O colégio chama-se Bates High.
Ponto Baixo – seqüências engraçadinhas, como a que um personagem experimenta com amigos a roupa do baile, vão de encontro ao clima pesado da produção.
2 Comments:
Só pra constar...
na lista de excessões de stephen.. está "Cemitério Maldito"... que será brevemente "remakerizado"..
obrigado pelo espaço!
Giancarlo. Cara, novidade essa pra mim! Quer dizer que está pra sair uma nova versão de Cemitério Maldito... Gosto muito desse filme. A galera não perde tempo hein?! Se não me engano a produção é de 1989.
Abração!
Postar um comentário
<< Home