10 de fevereiro de 2006

Barbed Wire Dolls

O improviso é uma arte. A máxima é leviana, mas pode ser levada ao pé da letra quando o assunto é Jess Franco. Com quase duzentos filmes no currículo, o controverso cineasta espanhol sabe como ninguém (e ninguém mesmo) driblar os orçamentos limitados de suas produções. A criatividade sempre foi seu maior talento. A iluminação é deficiente, vai ficar granulado. “Ótimo, isso é estilo”. O tripé quebrou, vamos de câmera na mão. “Beleza, era assim que eu queria”. Ele também tinha um senso estético formidável, talvez herança da sua formação musical. Com tantos recursos “estilísticos”, usados hoje em centenas de filminhos descolados, pode-se dizer que Franco foi um visionário. Ele alega que foi o precursor do Dogma, isso lá em 1975, com Barbed Wire Dolls. A julgar pelas técnicas empregadas na produção, quem pode ir contra o mestre. Lars Von Trier e sua turma devem apenas abaixar a cabeça.

O apelo comercial pelo sexo ou violência também são marcas registradas deste “gênio” do camp. A tática negocial era simples, se a idéia anterior deu certo vamos usá-la novamente com um toque a mais. Uma nudez a mais, um sangue a mais. E foi assim mesmo. Toda a trajetória do cineasta foi pautada pelos recursos paupérrimos com produções que visavam somente ao lucro. Neste caso, o dinheiro era revertido para novas produções, um compulsivo assumido na arte de fazer cinema.

Um marco na trajetória de Franco é Barbed Wire Dolls. Além do início da famosa parceria com o produtor suíço Erwin C. Dietrich, o filme tem Lina Romay como protagonista. Aqui vai uma observação bem pessoal, Romay tinha charme e no início a cara de ninfetinha foi um achado, mas compará-la a musa anterior, Soledad Miranda, é pecado. Soledad... Bem, Soledad Miranda é uma das criaturas mais bem acabadas que já tive o prazer de ver (em tela pequena, é claro) na vida.

Mas o assunto é Barbed Wire Dolls. O filme é bem melhor que qualquer WIP (Women In Prison) mais apelativo que Franco veio a fazer depois. Love Camp e Women in Cellblock 9 são mais fortes, tem mais sexo, mas não tem o charme de Barbed. A trama gira em torno de Maria da Guerra (Lina Romay, lembrando uma jovem Fernanda Torres) mandada a prisão perpétua por ter matado o pai que tentou estuprá-la. A prisão é uma fortaleza em uma isolada ilha tropical e é vigiada por homens e mulheres em uniforme verde-oliva. Neste cenário, Maria vai sofrer e presenciar todo tipo de barbaridades. Cansada, acaba matando um doutor e fugindo com mais duas amigas: Bertha (a bela Martine Stedil) e a retardada Rosário (Beni Cardosi). Uma curiosidade, em Island Women de Erwin C. Dietrich, a cena da fuga é idêntica, o detalhe é que no filme de Dietrich as prisioneiras estão completamente nuas.

De resto, muita, mas muita nudez e algumas cenas de sexo. A violência, diga-se de passagem, é ousada na intenção e contida na execução. Há ainda uma diretora de prisão bem malvada (a belga Monica Swinn, em atuação pra lá de exagerada) que comanda as torturas e usa algumas prisioneiras pra saciar seu apetite sexual. O uso constante de zooms (uma das marcas de Franco) e uma cena lúdica com Franco, como o pai de Maria, fazem deste Barbed Wire Dolls um clássico absoluto e obrigatório para os apreciadores do sleaze. Como se não bastasse, há a presença de Eric Falk, como o cruel Nestor, e belas guardas com os seios a mostra. Obrigado, Tio Jess!

Ponto Alto: a trilha sonora é, digamos, apropriada.

Ponto Baixo: as cenas de fuzilamento ficaram fake demais. E olha que estamos falando dos padrões Franco de qualidade.