11 de fevereiro de 2006

Má Educação


Almodóvar é um gênio da sétima arte ou apenas um oportunista? Sei lá, seus roteiros recheados de diálogos fluentes e deliciosos, e sua técnica de dirigir atores e compor imagens são primorosas. Os cenários coloridos, personagens sempre a beira de um ataque de nervos e a fluência nervosa do idioma espanhol dão os tons acertadamente urgentes, cafonas e piegas de seus filmes. O problema é que suas premissas acabam sendo por demais repetitivas. É fácil observar que com raras exceções, como A Flor de Meu Segredo, a opção sexual sempre colocada em risco por meio de opções lascivas é o tema central de seus filmes. Os personagens de Almodóvar têm um certo dinamismo sensual desesperado, quase furioso.

A opção de ter um homem, ao invés de uma mulher (femme fatalle), foi perfeito para este noir gay, que, não fosse o carisma do protagonista e o respeito do diretor, ficaria restrito a um festival MIX qualquer. Almodóvar ao “rerereretocar” no universo homossexual e ao apontar o dedo em riste (apesar de dizer o contrário) para a hipocrisia dos sacerdotes católicos se repete. Quem não assistiu a Maus Hábitos e Lei do Desejo pode mesmo compará-lo com o pop Tudo Sobre Minha Mãe. Ele está recontando as mesmas histórias, agora para um público maior. Os fãs antigos torcem o nariz, enquanto Pedro sente o outro lado da moeda. Seus filmes chegam a mais pessoas, mas a originalidade e o próprio estilo estão comprometidos. Olha que ele disse que não faria filmes nos EUA por temer intervenções “artísticas” em suas obras. Até agora não fez, mas aos poucos vem denegrindo o seu patrimônio em prol de outros interesses.

O diretor disse que nesse filme fez uma homenagem à escritora Patricia Highsmith (criadora do personagem Tom Ripley). No entanto, ao invés das sutilezas das tramas de Patricia e do tom irônico dos filmes de Jean Renoir (também citado durante Má Educação), Almodóvar não é nada sutil. Isso ele nunca foi mesmo. Aqui, cenas de sexo entre homens são mostradas sem muitas ressalvas e seguram uma premissa extremamente simples, mas bem amarrada. A trama gira em torno de dois garotos que se apaixonaram na infância e foram separados por um padre pedófilo no colégio interno católico onde viviam. No louco início dos anos 80, eles se reencontram e aí traumas do passado reaparecem. Há, ainda, outras reviravoltas que servem apenas para Almodóvar fazer um exercício sobre metalinguagem e impressões pessoais, com o indiscutível talento de sempre.

Desta vez, ele usou o galã mexicano Gael García Bernal como centro de todas as intrigas (quase todas movidas pelo desejo), e o latino-americano não faz feio. Com exceção das cenas em que está como a travesti foi bem convincente. Bernal tem charme e carisma, tanto que já é assediado pelos grandes estúdios e se não tomar cuidado vai acabar como seu personagem em Má Educação.

O padre Manolo (Daniel Jiménez Cacho) e o senhor Berenguer (Lluis Homar) são a prova de que o desejo imediato pode suplantar qualquer resquício de razão e fazem uma perfeita alegoria à fragilidade humana. Agora, o alter-ego de Almodóvar no filme, o cineasta Enrique Goded (Fele Martínez), tenta ser a lucidez óbvia diante de comportamentos movidos apenas pelo desejo ou pela ambição. Em alguns momentos acaba cedendo, mas nunca perde a razão. A lucidez em meio ao caos. Pois é, não sei se o espanhol é um gênio ou apenas um oportunista, mas é fácil perceber que o cinema mainstream está mais ousado, enquanto a turma indie perdeu um forte aliado. No fim, o saldo artístico acaba sendo negativo.

Ponto Alto: a interpretação na medida certa de Fele Martinez.

Ponto Baixo: a apresentação musical de Gael como travesti.

1 Comments:

Blogger Andrea Ormond said...

Oi Juarez,
Gosto do Almodóvar desde "Maus Hábitos", quando a Deseo ainda não era uma quase-Miramax hispânica. De qq forma é pelo menos um cara acima da média, que não insulta a inteligência ao fazer cinemão (não sei por que, mas lembro logo do Ron Howard rs) Parabéns pelo blog, os textos estão ótimos, é um início super promissor! :) Bjs.

3:02 AM  

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