21 de abril de 2007

Mondo Cane


Confesso que esperava mais cenas sangrentas e aterradoras. Mondo Cane é uma obra mais bem elabora e não apela para a gratuidade como Faces of Death, Traces of Death e cia. Este documentário, que trata de hábitos bizarros ao redor do mundo, é uma obra extremamente bem realizada, apesar de envelhecida quando vista no século XXI. Mesmo assim, o acabamento estético europeu está lá. Música irretocável, fotografia primorosa, além de um senso de humor inconfundível. Realmente um documentário forte e germinal e não uma filmagem barata do Notícias Populares (com todo o respeito, ao saudoso jornal paulistano).

Realizado em 1962, este documentário, dirigido por Gualtiero Jacopetti, Paolo Cavara e Franco Prosperi, deu início a onda dos documentários de exploração. Um gênero que foi chamado de Cane, tal o sucesso de Mondo Cane - obrigatório nos drive-ins da década de 1960. Narrado em italiano com uma ironia que muitas vezes resvala no grosseiro, o filme tem início no funeral do galã Rodolfo Valentino em sua cidade natal na Itália. Os conterrâneos dele querendo tirar uma casquinha da fama do ator... Depois passamos para um outro galã qualquer sendo atacado por um grupo de fãs em Nova Iorque e, logo depois, as nativas da Nova Guiné mostrando que não são muito diferentes das amigas norte-americanas. E o joguinho antropológico em que os ocidentais têm seus hábitos comparados aos de habitantes de lugares mais inóspitos pode soar meio sem vergonha hoje em dia, mas na época era novidade e funcionava.

No decorrer da trama ainda acompanhamos diversas situações inusitadas, como os pescadores mutilados da costa Oeste da Malásia que fornecem barbatanas de tubarão (afrodisíaco) a chineses ricos, os costumes de indígenas como o fértil chefe de uma tribo e suas mulheres gordas, a brincadeira com os touros em Portugal etc. Momentos bacanas como o trato dispensado aos animais ao redor do mundo com outros bem ridículos a exemplo das salva-vidas australianas. Para ser sincero, uma condução irregular e que chega a irritar em alguns momentos.

E as cenas chocantes? Na verdade, as únicas seqüências realmente chocantes são de uma execução de touros por uma tribo de mercenários do Nepal realizada em homenagem a oficiais do exército inglês e a matança de porcos em uma festa da “fartura” na Nova Guiné. Nessa linha de festividades, somos agraciados ainda com alguns tipos gastronômicos bem peculiares, como um restaurante sofisticado de Nova Iorque que serve insetos a seus clientes. A comparação entre rituais religiosos também é interessante. Há ainda uma bacana mensagem politicamente correta sobre os efeitos do testes nucleares no atol de Bikini. Enfim, uma aula de antropologia cheia de estilo e ironia. Irregular como cinema, mas ainda um clássico.

Ponto Alto: A música de Nino Oliveiro e da lenda Riz Ortolani. Concorreu a Oscar e tudo. Coisa esplendorosa.

Ponto Baixo: A ironia fazia parte do espetáculo, mas, por mais contraditório que possa parecer, o preconceito em alguns momentos é latente. Um costume em que uma nativa da Nova Guiné amamenta um porquinho em lugar do filho é ridicularizado pelo narrador, entre outros.