Barra Pesada
O dramaturgo paulista Plínio Marcos alcançou merecido destaque ao passear com desenvoltura pelo universo sombrio dos miseráveis brasileiros. Sua obra mais famosa – Dois Perdidos Numa Noite Suja retrata bem a dificuldade enfrentada pelos que estão à margem da sociedade em um país pobre como o Brasil. Personagens perfeitos escondido em tocas imundas dão o colorido ideal à imunda sarjeta. Nessa linha, há um trabalho do escritor intitulado Quebradas da Vida, que serviu de base para Reginaldo Faria trazer a tona uma pequena obra-prima marginal da nossa cinematografia – Barra Pesada. As aventuras de Queró - filho de prostituta, nascido e criado em zona boêmia do Rio de Janeiro - é um símbolo do melhor que o cinema nacional tem a oferecer. Personagens fortes e cruéis, amores desamparados, desesperança, amargura, violência, amizade e, é claro, muito bom humor. Enfim, uma ciranda de valores, sentimentos e obsessões que expõe o pior (e o melhor) do Brasil.
O roteiro, escrito por Reginaldo Farias, gira em torno de Queró (Stepan Nercessian), pivete inexpressivo no concorrido mundo marginal carioca. Ele vive de pequenos roubos e golpes em turistas na companhia do inseparável amigo Negritim (Cosme dos Santos). Ao desafiar um malandrão numa partida de sinuca, complica-se de vez ao ter que levantar um bom dinheiro até o dia seguinte. Os pequenos assaltos não rendem muita coisa e o pior é que a dupla é extorquida por dois informantes da polícia. Tudo vai mal e ele jura que se tivesse uma arma, conseguiria sair daquela mediocridade que não lhe garante respeito no próprio ambiente. O momento de destaque nesta apresentação do protagonista é o roubo cruel a Naná, empregado-faz-tudo na casa do meretrício. Queró espanca a vítima como se quisesse se vingar de todos os que o subjulgam. O homossexual carente a sua frente é, por incrível que pareça, pior que ele. É um dos raros momentos na vida em que se sente superior a alguém. Extrapola a condição de humilhado e vira algoz. Não sabe lidar com a situação e o reflexo é uma explosão desnecessária de violência.
A vida de Queró começa a mudar, quando o objeto do desejo, “a draga”, aparece reluzindo nas mãos do traficante meia-boca Xupinha. Oportunidade única. O assassinato e a série de reviravoltas que se seguem o encorajam a mudar de vida. Apesar do esforço da fuga constante, Queró sente pela primeira vez o prazer de ser importante, de valer alguma coisa. Mesmo assim, o conflito com o novo estilo se resume na pergunta macabra da nova companheira, a prostituta Ana (Kátia D’Angelo): “Você sabe que é trouxa, né?! O rei dos trouxas!”. O padrão de vida mais sofisticado não faz Queró perder a essência de desamparado. Continua mané, mas agora é o alvo principal dos dois principais traficantes do submundo carioca e também da polícia. A situação fica difícil. Acuado, se refugia em um terreiro de macumba. O desfecho é um espetáculo.
O filme não é realmente agressivo e não chega a ser incomodo. Tem uma narrativa até certo ponto confortável, sempre pontuada por um humor legítimo. Essa leveza na construção alivia em parte o impacto desta obra singular da filmografia policial brasileira. Isso é detalhe menor perto de Milton Moraes, Wilson Grey e Lutero Luiz como legítimos representantes da vida cafajeste brasileira. Barra Pesada é pra ser visto e revisto com a despreocupação de uma época em que o cinema brasileiro não soava hipócrita ao retratar a realidade.
Ponto Alto: o leal Negritim (Cosme dos Santos). Ele personifica a ponta de bondade e cumplicidade em um universo sem perspectiva. Engraçado constatar como Cosme dos Santos não envelheceu nada de 1977 pra cá.
Ponto Baixo: a fotografia é cuidada demais. Em alguns momentos, sente-se falta daquela estética escura e suja.
4 Comments:
Diz o Roberto Bonfim, amigo do Cosme, q. o cara é vaidoso q. só.
E novamente vou discordar de ti no ponto baixo, minha lembrança é de uma fotografia a serviço do filme, precisaria revê-lo em dvd, se é q. já saiu, pq. em vhs a gente acaba confundindo a condição da fita com a real proposta da foto, aliás, revi em vhs faz uns 04 anos, e a 1.ª vez foi na telona na estréia, só sei dizer q. é um dos gdes filmes nacionais.
Assisti em uma cópia gravada do Canal Brasil. Ficou parecendo que a imagem teve um trato digital mesmo. Mas não sei precisar! Essa opinião da fotografia, concordo, que é bem pessoal. Gosto daquela imagem suja, granulada, impregnada de um tom documental. Aliás, esse tipo de retrato virou marco no cinema nacional setentista. Senti um pouco a falta disso em Barra Pesada. Agora concordo que se trata de um dos grandes filmes nacionais.
oi
acabei de ver no canal brasil e concordo com sua critica !
É um grande filme nacional, o proprio cidade de deus dos anos 70.
Estetica marginal que passa autenticidade rara, emoção e realismo numa situação em que o anti-herói do filme é de uma construção inesquecivel, mesclando revolta, desesperança, inocência e força ao mesmo tempo.
Os atores estão incríveis !
valeu ter assistido.
Por favor,gostaria de saber se alguem tem um link pra baixar esse filme,vi uma vez e gostei muito,queria mostrar para minha familia.
Desde ja agradeço pelo ótimo blog.
Postar um comentário
<< Home