26 de fevereiro de 2006

O Seqüestro


Em 1973, o seqüestro do garoto Carlinhos chocou o Rio de Janeiro. O despreparo da polícia e a participação lamentável da imprensa no caso o deixaram sem solução. Até hoje ninguém tem notícias do menino. Foi uma história policial atípica e de muita repercussão. Para início de conversa, a maior suspeita é a mãe do garoto. Segundo uma das versões, ela teria forjado o seqüestro da criança juntamente com um pai-de-santo, seu amante, pois pretendia fugir e queria a companhia do filho. Dizem que ela tinha verdadeira adoração por Carlinhos. Entre os fatos pitorescos, reza a lenda que era extremamente exibicionista e quando o circo de jornalistas e curiosos se formava em frente a sua casa, gostava de se exibir na janela com roupas sensuais. Julgaram-na como louca.

Outro fato que chamou a atenção foi a participação infame da imprensa no caso. O seqüestrador deixou uma carta pormenorizando os procedimentos do rasgaste. Depois de uma negociação até hoje mal explicada, a carta acabou sendo publicada ainda no mesmo dia em um grande jornal. Resultado: no dia combinado para a entrega do resgate, havia uma multidão a espera da negociação. Pipoqueiros e carrinhos de cachorro-quente completavam o circo. A participação da polícia (Delegacia do Catete) também tem destaque. Negativo, é claro!

Enfim, a história virou livro e dava um filme. E foi isso que aconteceu. A sempre oportunista produtora Vydia aproveitou o mote e entregou um dos trabalhos mais irônicos da cinematografia nacional. Trata-se de O Seqüestro, realizado em 1980 sob a batuta de um dos sócios da produtora, Victor di Mello, e com a presença inevitável de Carlo Mossy. Antes dos créditos vem a mensagem ocupando toda a tela “Os personagens e episódios desta história são fictícios. Qualquer semelhança, se houvesse, seria lamentável coincidência”. Depois a bela música tema de autoria de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. Começa o show. Somos apresentados a uma delegacia em uma noite comum de trabalho. A fauna é formada pelo delegado-chefe Marcondes (Jorge Dória), subdelegado Marcola (Milton Moraes) e o agente Vilarinho (Mossy). Eles ficam sabendo que um garoto foi seqüestrado em Santa Tereza. Detalhe, a polícia fica sabendo por meio da ligação de uma pessoa que viu pelo noticiário da televisão.

Aí tem início a série de desencontros e desinformações sobre o paradeiro de Zezinho. Cada personagem ligado ao garoto parece esconder algo. Pedro, o pai, comerciante (diz-se industrial) de uma empresa de couros na Baixada, não vai bem nos negócios, mas tem uma Brasília novinha. E as contradições não param por aí. A mãe de Zezinho, Dona Fátima, uma pacata dona de casa, não vive bem com o marido e revela que este, apesar de não dar assistência financeira à família, possui três carros. Como se percebe, além do alívio financeiro, o caso pode ser uma situação única para armar contra antigos desafetos. Fátima é, na verdade, ninfomaníaca e, por esses e outros motivos, o casamento não vai lá muito bem. Até os empregados da empresa de couro e, logicamente, a polícia têm a ganhar com a repercussão causada pelo desaparecimento de Zezinho.

Como bons estereótipos dos brasileiros, todos enxergam no seqüestro uma oportunidade de levar vantagem. Entre contradições e ironias, o filme vai se levando com algumas cenas fortes e que fogem do contexto sacana da produção. A sessão de tortura a que o delegado Marcondes submete a mulher de um suspeito é desnecessária. A sutileza da sugestão agride mais e se encaixa melhor na proposta de O Seqüestro. Duas passagens confirmam essa tendência. O acerto para entrega do resgate no Maracanã e a oportunidade oferecida por um banqueiro interessado em explorar a imagem de Zezinho. No desfecho da trama, o golpe fatal aparece em um escrito que novamente ocupa toda a tela: “Este filme é dedicado a Serpico e a todos que tentam fazer da polícia uma instituição digna; capaz de oferecer realmente segurança a todo e qualquer cidadão”. Realmente uma tragédia à brasileira. Vale a pena conferir.

Desta vez, o ponto alto e o ponto baixo foram escritos obedecendo à lógica canalha brasileira.

Ponto Alto: Dona Fátima é linda. A nudez desinibida da musa Helena Ramos é um colírio. Desnecessariamente imprescindível.

Ponto Baixo: O chapéu de cowboy foi uma boa sacada. Mas porra, Mossy, traveco não! Aí você acaba com sua reputação, meu querido.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lembro do caso `Carlinhos`. Aliás, a decada de 70 é pródiga nesses casos policialescos envolvendo e ligando a classe média e média alta, quiçá carioca, ao submundo.

5:24 PM  
Blogger Juarez Junior said...

Poxa Walner, os anos 70 são pródigos em tudo mesmo. Lembro do caso Doca Street ( Legítima Defesa da Honra). Agora, este lance de sequestro de criança causa uma grande comoção. Vide o caso do Pedrinho aqui de Bsb. Os envolvidos viraram até refêrencia para personagem de novela.

1:41 PM  

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