Antes do Amanhecer/ Pôr-do-Sol
Quem nunca conheceu alguém atraente com o papo fluindo de forma tão sutil, que as frases eram entendidas antes do fim. A sensação de descoberta e intimidade no mesmo momento. As pessoas precisam ter uma grande afinidade para a coisa fluir de maneira tão fácil. Encontros assim são raros, mas acontecem. Quem já passou por isso sabe que é uma sensação fantástica. Pois é sobre um papo gostoso que trata a pequena saga idealizada por Richard Linklater. Como protagonistas, os bacanas Ethan Hawke e Julie Delpy.
Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-sol são produções hollywoodianas, mas fogem da sacarose ao optar por um viés inteligente. Ao invés de trampolim pra alguma atriz-cantora emergente, a saga de pouco mais de três horas é recheada de diálogos fluentes e merece destaque por fugir do lugar comum. A situação pode parecer inusitada, mas, acredite, soa verossímil. A estória de amor jamais deixa de ser convencional, mas com uma abordagem tão interessante torna-se, simplesmente, bonita. Fórmula simples e eficiente.
O casal se conhece no verão europeu em um trem, que vai de Budapeste a Viena, e decidem descer na capital austríaca. Na verdade, o americano boa-praça Jess (Hawke) convence a bela francesa Celine (Delpy) a lhe fazer companhia na cidade, pois o avião para os EUA só sai no dia seguinte. Eles passeiam, namoram, bebem, comem, se divertem, sorriem e conversam muito. Falam como pessoas comuns, lançam idéias sobre religião, cultura, problemas sociais, anseios, perspectivas profissionais e, obviamente, amor.
Eles estão com pouco mais de 20 anos e idealizam relacionamentos, contam sobre experiências mal sucedidas, apresentam frustrações amorosas etc. E o espectador torna-se cúmplice deste envolvimento. Tem de ser muito resistente pra não se identificar com personagens tão carismáticos. O quê mais aproxima o espectador é a maneira despojada em que o diretor (e também roteirista) Linklater conduz a trama. Apesar do filme ser centrado no casal (em tela o tempo inteiro), em raros momentos soa exagerado ou teatral. Neste caso, acho que a decisão acertada foi usar atores, digamos, do segundo escalão hollywoodiano. Apesar de protagonizar um filme ou outro, Hawke e Delpy são coadjuvantes de luxo na engrenagem mainstream. Apesar do respaldo comercial, eles não têm (não podem) ter a vaidade dos grandes astros. Neste caso, um fator imprescindível para a empatia com o público.
Voltando à trama, apesar de terem dito várias vezes que o momento era só aquele e que não teriam uma segunda oportunidade, ambos se entregam no fim. O casal se despede na porta do trem com a promessa de se encontrarem na mesma cidade em seis meses. Neste momento, a angústia da despedida esboça uma pieguice. No entanto, Linklater logo se redime ao nos apresentar os lugares em que o casal passou o dia, agora vazios. Aqueles espaços são importantes e têm algo especial, pois os dois o tornaram especial. O clima é saudoso.
Nove anos depois, sabemos que Jess escreveu um livro sobre o encontro e o está divulgando em Paris. Celine aparece. Um passeio é inevitável. Eles estão mais maduros, as rugas já deixando marcas. Jess agora está casado, no estilo mais estabilidade que paixão, e Celine se formou em ciências políticas e trabalha pra uma ONG de causas ecológicas. Apesar do segundo filme continuar com o foco no casal, o destaque desta vez é a personagem de Delpy. Jess passou a ser um sujeito comum e estável sem ser dado a grandes rompantes. Não tem mais o vigor da juventude. Celine, por sua vez, é descolada e inteligente, mas extremamente insegura. Ainda está na luta e gosta de viver. Ela se sente desconfortável com a estabilidade do amigo. Uma personagem maravilhosa, com sua força abalada pelas incertezas. Nenhum ranço machista, como se a mulher precisasse de homem pra ser feliz. Longe disso, a idéia é compartilhamento e, acima de tudo, autodescoberta.
O roteiro escrito por Linkaler, agora em companhia do casal de atores, sugere que Celine se tornou difícil, pois não soube encarar a importância da experiência que viveu em Viena. Ela tentou acreditar que aquilo foi só um momento, tanto que enquanto Jess apareceu em Viena seis meses depois, Celine não pôde ir. Ele escreveu um livro sobre o assunto, ela fez uma canção sobre o encontro, mas insiste em dizer que a valsa são para todos os seus encontros furtivos. Lógico que isso é exagerado, pois o romance de um dia não poderia deixar tantas cicatrizes assim, ainda mais se tratando de pessoas tão espertas. Mas é esse o nosso ponto em comum com os personagens.
Celine, em minimizar a importância daquele momento, se anula. Jess encarou os fantasmas e agora está mais seguro. Ele mesmo diz em um momento que era inseguro quando jovem. Celine, por sua vez, jogou a situação pra debaixo do tapete e agora tem de enfrentar uma pessoa que mexeu tanto com seus sentimentos. A garota insiste em incomodar o parceiro com tiradas que procuram desmentir o óbvio. Ela procurou Jess (ou ao menos um pouco dele) em cada parceiro que abria a possibilidade de um novo relacionamento. Ela sabe disso, apenas não pode admitir.
E assim, entre belas paisagens parisienses ao cair da tarde, o filme se desenrola neste jogo em que ela tenta ludibriar e maltratar o companheiro pelo fato deste aparentar ter superado a história. No entanto, tudo parece fazer sentido no desfecho no apartamento. Celine faz uma caracterização inesperada de Nina Simone e, neste instante, percebemos que eles não são mesmo tão parecidos assim. Depois de tanto em tão pouco tempo realmente não poderia dar certo. A antítese de toda a obra.
Uma trajetória que merece ser conhecida por simplesmente tentar fugir do óbvio. Os dois filmes são cheios de detalhes, cacos de diálogos que fazem sentido em um contexto puramente cotidiano. A mensagem é desfrutar o momento e não pensar na efemeridade daquele instante. Recomendado para quem ainda não muda de calçada quando aparece uma flor!
Ponto Alto: A fotografia reforça a beleza das cidades, que por si só são personagens da estória.
Ponto Baixo: Os personagens falam muito e é essa a idéia do filme. Há muita troca de olhares e gestos delicados e expressivos, entretanto, um pouco de silêncio fez falta. Sutilezas sugeridas, e não cumpridas.
Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-sol são produções hollywoodianas, mas fogem da sacarose ao optar por um viés inteligente. Ao invés de trampolim pra alguma atriz-cantora emergente, a saga de pouco mais de três horas é recheada de diálogos fluentes e merece destaque por fugir do lugar comum. A situação pode parecer inusitada, mas, acredite, soa verossímil. A estória de amor jamais deixa de ser convencional, mas com uma abordagem tão interessante torna-se, simplesmente, bonita. Fórmula simples e eficiente.
O casal se conhece no verão europeu em um trem, que vai de Budapeste a Viena, e decidem descer na capital austríaca. Na verdade, o americano boa-praça Jess (Hawke) convence a bela francesa Celine (Delpy) a lhe fazer companhia na cidade, pois o avião para os EUA só sai no dia seguinte. Eles passeiam, namoram, bebem, comem, se divertem, sorriem e conversam muito. Falam como pessoas comuns, lançam idéias sobre religião, cultura, problemas sociais, anseios, perspectivas profissionais e, obviamente, amor.
Eles estão com pouco mais de 20 anos e idealizam relacionamentos, contam sobre experiências mal sucedidas, apresentam frustrações amorosas etc. E o espectador torna-se cúmplice deste envolvimento. Tem de ser muito resistente pra não se identificar com personagens tão carismáticos. O quê mais aproxima o espectador é a maneira despojada em que o diretor (e também roteirista) Linklater conduz a trama. Apesar do filme ser centrado no casal (em tela o tempo inteiro), em raros momentos soa exagerado ou teatral. Neste caso, acho que a decisão acertada foi usar atores, digamos, do segundo escalão hollywoodiano. Apesar de protagonizar um filme ou outro, Hawke e Delpy são coadjuvantes de luxo na engrenagem mainstream. Apesar do respaldo comercial, eles não têm (não podem) ter a vaidade dos grandes astros. Neste caso, um fator imprescindível para a empatia com o público.
Voltando à trama, apesar de terem dito várias vezes que o momento era só aquele e que não teriam uma segunda oportunidade, ambos se entregam no fim. O casal se despede na porta do trem com a promessa de se encontrarem na mesma cidade em seis meses. Neste momento, a angústia da despedida esboça uma pieguice. No entanto, Linklater logo se redime ao nos apresentar os lugares em que o casal passou o dia, agora vazios. Aqueles espaços são importantes e têm algo especial, pois os dois o tornaram especial. O clima é saudoso.
Nove anos depois, sabemos que Jess escreveu um livro sobre o encontro e o está divulgando em Paris. Celine aparece. Um passeio é inevitável. Eles estão mais maduros, as rugas já deixando marcas. Jess agora está casado, no estilo mais estabilidade que paixão, e Celine se formou em ciências políticas e trabalha pra uma ONG de causas ecológicas. Apesar do segundo filme continuar com o foco no casal, o destaque desta vez é a personagem de Delpy. Jess passou a ser um sujeito comum e estável sem ser dado a grandes rompantes. Não tem mais o vigor da juventude. Celine, por sua vez, é descolada e inteligente, mas extremamente insegura. Ainda está na luta e gosta de viver. Ela se sente desconfortável com a estabilidade do amigo. Uma personagem maravilhosa, com sua força abalada pelas incertezas. Nenhum ranço machista, como se a mulher precisasse de homem pra ser feliz. Longe disso, a idéia é compartilhamento e, acima de tudo, autodescoberta.
O roteiro escrito por Linkaler, agora em companhia do casal de atores, sugere que Celine se tornou difícil, pois não soube encarar a importância da experiência que viveu em Viena. Ela tentou acreditar que aquilo foi só um momento, tanto que enquanto Jess apareceu em Viena seis meses depois, Celine não pôde ir. Ele escreveu um livro sobre o assunto, ela fez uma canção sobre o encontro, mas insiste em dizer que a valsa são para todos os seus encontros furtivos. Lógico que isso é exagerado, pois o romance de um dia não poderia deixar tantas cicatrizes assim, ainda mais se tratando de pessoas tão espertas. Mas é esse o nosso ponto em comum com os personagens.
Celine, em minimizar a importância daquele momento, se anula. Jess encarou os fantasmas e agora está mais seguro. Ele mesmo diz em um momento que era inseguro quando jovem. Celine, por sua vez, jogou a situação pra debaixo do tapete e agora tem de enfrentar uma pessoa que mexeu tanto com seus sentimentos. A garota insiste em incomodar o parceiro com tiradas que procuram desmentir o óbvio. Ela procurou Jess (ou ao menos um pouco dele) em cada parceiro que abria a possibilidade de um novo relacionamento. Ela sabe disso, apenas não pode admitir.
E assim, entre belas paisagens parisienses ao cair da tarde, o filme se desenrola neste jogo em que ela tenta ludibriar e maltratar o companheiro pelo fato deste aparentar ter superado a história. No entanto, tudo parece fazer sentido no desfecho no apartamento. Celine faz uma caracterização inesperada de Nina Simone e, neste instante, percebemos que eles não são mesmo tão parecidos assim. Depois de tanto em tão pouco tempo realmente não poderia dar certo. A antítese de toda a obra.
Uma trajetória que merece ser conhecida por simplesmente tentar fugir do óbvio. Os dois filmes são cheios de detalhes, cacos de diálogos que fazem sentido em um contexto puramente cotidiano. A mensagem é desfrutar o momento e não pensar na efemeridade daquele instante. Recomendado para quem ainda não muda de calçada quando aparece uma flor!
Ponto Alto: A fotografia reforça a beleza das cidades, que por si só são personagens da estória.
Ponto Baixo: Os personagens falam muito e é essa a idéia do filme. Há muita troca de olhares e gestos delicados e expressivos, entretanto, um pouco de silêncio fez falta. Sutilezas sugeridas, e não cumpridas.
5 Comments:
Em compensação, quando surgem os silêncios, são momentos de grande impacto emocional.
É isso mesmo, Ailton. São silêncios bem profundos... Sei que a idéia é mesmo aquela do desbunde que se dá quando as pessoas criam afinidade. Mas acho que faltou um pouquinho de pausas para reflexões, digamos assim. Vc não concorda?
Caí aqui em seu blog por conta de minha busca sobre o filme "Cannibal Holocaust". Ainda estou pensando se o assisto. Mas nesse ínterim achei esse post sobre esses filmes que tenho muito prazer em assistir, recomendar e comentar. Estão juntos de Grandes Esperanças (Dickens) e Lost in Translation de meus favoritos na categoria romance caro, porque os baratos temos aos montes por hollywood. Um grande abraço e parabéns pelo blog.
Grandes Esperanças é um dos meus filmes de cabeceira. Sou "fanático" por ele - li o livro e tudo o mais. Finnegan Bell é uma espécie de alterego - adoro a breguice da cena da dança na chuva.
Mas, infelizmente, não peguei o feeling de "Lost in Translation" - vi uma vez no cinema e nunca dei uma segunda chance. Vou tentar.. Valeu!!!
eu assisti o 2º filme a 3 anos, mas eu entendi errado então, pq tinha pensado q ele, dessa vez , n tinha embarcado pra ficar com ela e n q ficou evidente q eles eram incompatíveis.
???
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