1 de maio de 2006

Audition


Takashi Miike é extraordinário! O diretor japonês consegue impregnar seus filmes de um exagero e uma vivacidade poucas vezes vista na história do cinema. Miike é um cineasta independente na concepção da palavra. Seus filmes fazem parte daquele rótulo barato de Asia Extreme, mas vão bem além disso. Miike nos fez mudar a idéia de disciplina do Japão; de um país que só existe para o trabalho. Ele nos fez abrir os olhos para um Japão assustado, o Japão recordista de suicídios, um Japão com valores morais comprometidos pela uma ocidentalização inevitável e que arrebata muito mais que traços étnicos ou culturais. Seus filmes são viscerais e pedem socorro para uma sociedade oprimida. Seja a saga gore de um justiceiro panaca em meios a membros da Yakuza com Ichi, The Killer, seja a saga policial violentíssima e inteligente de Dead or Alive (meu predileto) ou a degradação moral de uma típica família nipônica com Visitor Q. Entretanto, o filme que fez o mundo virar a cabeça para olhar mais de perto Miike foi o surpreendente Audition.

A produção de 1999, baseada em livro de Ryu Murakami, conta a história de um bem resolvido viúvo em busca de uma nova parceira. Logo no início, somos surpreendidos com a morte da mulher de Shigeharo Aoyama (Ryo Ishibashi). O filho pequeno, Shigehiko, levando um presente para a mãe doente; fotografia leve retratando a emotividade na cena. Com a morte da mulher e mãe, pai e filho pedem para todos saírem do caminho e partem com a suas dores em meios às ruas de uma grande cidade japonesa. Sete anos se passam, a família conseguiu superar a ausência do ente querido e vive muito bem. Mas o pai está envelhecendo sozinho e o filho sugere uma nova esposa. A oportunidade surge por meio de uma seleção para a escolha de uma atriz jovem para um filme. Antes, o senhor Aoyama confidencia ao amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura) que não quer uma mulher jovem, mas uma garota que trabalhe e tenha alguns talentos como cantar, dançar e tocar piano. Detalhe, ele quer um pouco da falecida na nova mulher.

Antes mesmo dos testes, Shigeharo já se mostra encantado por uma das candidatas, a doce Asami Yamazaki (Eihi Shiina) que estudou balé por 12 anos e parece um pouco blasé demais. Uma frase da carta de apresentação da garota fica na cabeça do cinquentão: “ A grande esperança torna-se a grande frustração”. Sinistro. Para resumo de história a menina torna-se bem acessível e eles rapidamente estão saindo. Com o devido respeito nipônico, é claro! Um sumiço inesperado de Asami em um final de semana na praia e uma rápida investigação revela detalhes sórdidos. Tudo aos poucos, caminhando para o explosivo final. Essa conclusão, por sua vez, é feita sem qualquer concessão. Um clímax lento e doentio, com direito a mutilações e um teste de dor que vai fazer qualquer um cerrar os dentes. Miike ainda nos deixa angustiados com uma brincadeira de edição sobre a condição embriagada do protagonista e a veracidade ou não dos acontecimentos. Crianças em cenas violentas nos traumas de infância que inevitavelmente vêm à tona. Ficamos estarrecidos.

O filme é um primor e consegue nos envolver com as motivações dos personagens sem nunca parecer forçado. Os personagens são apresentados e construídos como em um bom romance. Adoro aquele plano em que Miike posiciona a câmera em um canto e deixa os atores agirem da forma mais natural possível, como se não houvesse qualquer interferência externa. Ficamos íntimos em muito pouco tempo e com a mesma estratégia compartilhamos, aflitos, a dor e a angústia. O envolvimento do casal principal também soa convincente, sem atropelos. Vamos sendo seduzidos até que no final a explosão de violência e sadismo por meio da inocência. Uma Lolita de Nabokov elevada à enésima potência. Audition é desde sempre um clássico moderno. Pra quem gosta de bom cinema!

Ponto Alto: a sensatez do amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura). O cara é uma figura, sempre cínico e com uma frase afiada na ponta da língua. Acaba por premeditar o pior. O legítimo alter-ego de Miike!

Ponto Baixo: faltou uma nudez da nossa querida protagonista. Faz o que faz e não mostra nada... Faça-me o favor Eihi Shiina!

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Takashi Miike é o grande e incisivo leitor das neuroses da sociedade japonesa moderna. AUDITION é, pra mim, sua obra maior (dos poucos que vi de sua extensa filmografia), uma leitura sobre a repressão dos sentimentos e da confusão cultural pela qual passa o país. São diversos os significados desse grande trabalho. Texto excelente o seu.
PS: procure por GOZU, um filme bastante complexo, um trabalho lynchiano oriental.

8:02 PM  
Blogger Unknown said...

Já tinha ouvido falar sobre esse cara antes, mas nunca tive a oportunidade de assistir nada dele. Vou ver se agora eu vou atrás de algum de seus filmes.

1:50 PM  

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