30 de julho de 2007

Seul Contre Tous

Gaspar Noé – este franco-argentino é um daqueles malucos que faz valer o termo extremo da expressão cinema extremo. O mais mainstream dos seus filmes, Irreversível, ganhou fama de maldito e doentio e jogou o cineasta novamente no limbo underground. A galera do lado de cá da indústria agradece. A saga maldita começou com o curta Carne (nunca vi, mas já ouvi comentários positivos) e se concretizou com o longa Seul Contre Tous.

O filme é cinza, escuro, claustrofóbico, angustiante, desajustado, enfim ou o espectador vê que tem gente que é pior que ele e agüenta o tranco ou entra numa depressão profunda que nem tarja preta dá jeito. A trajetória do açougueiro francês - interpretado pelo ator predileto do cineasta, Philippe Nahon - refugiado na periferia imunda de Paris é uma afronta a qualquer traço de civilidade ou bondade. O personagem é uma ode ao ódio - detesta gays, alemães, mulheres, negros, árabes... Xenofobia e preconceito, em doses nada homeopáticas, retratados por um Tim Burton quase pornográfico.

A única redenção, ou melhor, o único traço de humanidade está na pureza da filha autista. Mas Noé é tão escroto que este alívio explode em tons avermelhados no final. O final é forte; muito forte mesmo. Provoca ânsia nos organismos mais resistentes. Muito mais que o viés socialista da justificativa da violência pela pobreza econômica e a miséria social o filme nos mostra a sordidez humana, a gratuidade do desespero e da desesperança. Angústia ilimitada do mal que nós nos causamos. A desilusão em um país rico repleto de cidadãos e estrangeiros sem identidade. Nessa odisséia cosmopolita e violenta, ninguém é poupado. Todos são culpados e a fúria se torna justificável. Desilusão a tudo, todos e em todo lugar. Assim como seu cineasta, Seul Contre Tous é grande demais para o cinemão; é leão para o seu quintal.

Ponto Alto: os textos pontuando a narrativa.

Ponto Baixo: o filme sofre do efeito Apocalypse Now – agüente até o fim e entenda a grandiosidade da obra.

18 de julho de 2007

Corrente Literária


Indicação da minha nova amiga Jamile e seu blog tudo vintage, ou não. Vou indicar cinco livros que realmente mexeram comigo. Obras que me fizeram mudar um pouco a percepção de mundo. Tem outros livros estupendos que tive de deixar de fora. Mas sem essa marra, pois lembro que fui fã do estilo escrotão de Harold Robbins (esse era guru, o que é aquele O Contador de Histórias?), da cafonice de Mario Puzo da prosa simples de Marcos Rey etc. Vão aí meus livros definitivos:

- Vidas Secas – Graciliano Ramos: retrato maravilhosamente belo, mas profundamente triste da realidade brasileira. Despertou em mim uma consciência social que, mal ou bem, carrego até hoje. Sem falar na morte da Baleia. O que é isso?

- O País do Carnaval - Jorge Amado: li quando tinha uns 16 anos e estava na fase da Bossa Nova... Descobri o porquê do brasileiro sorri apesar de tanta miséria e sofrimento. A euforia efêmera do carnaval vale sim.

- Amor nos Tempos do Cólera – Gabriel García Márquez: uma estória de amor linda, realista e tremendamente irônica. O autor acabou vítima do próprio talento, mas aqui entrega sua obra mais bem acabada. Não tenho dúvida disso.

- O Som e a Fúria – William Faulkner: isso é um assombro de talento. Difícil e perturbador, o livro de uma vida. Entender a mente maquiavélica de Jason Compson é algo que ajudou a moldar meu caráter. Final arrebatador, vale a pena resistir até o fim e entender o fascínio em torno desse Guimarães Rosa redneck.

- Lolita – Vladimir Nabokov: não há como ficar com raiva de Humbert Humbert. Ele é pedófilo (vamos assim dizer), mas na verdade é a vítima de tudo. Vítima de seus próprios desejos. Ela é a vilã – vale ler Triângulo Sensual pra entender bem essa ambigüidade da beleza, da inocência. Só os gênios conseguem e o nosso russo que escrevia em inglês sabia bem disso.

Só vou ficar devendo as outras cinco indicações de blogs. Desculpe amiga.

13 de julho de 2007

Donnie Brasco

Esse filme é bem pessoal. Vi no cinema e fiquei maravilhado. Já era fã de Al Pacino e principalmente de Johnny Depp. Lembro que, terminado o filme, queria andar como os personagens e ficava repetindo “forget about it”. Tudo bem, admito que esse tipo de atitude não é lá uma prova de maturidade, entretanto me justifico pela ansiedade espinhenta em encontrar parâmetros de comportamento. Cinema e música eram e são as opções mais acessíveis. Mas não estou sozinho e fico tranqüilo quando vejo Woody Allen conversando com um conselheiro Humprey Bogart em Sonhos de um Sedutor. Com Johnny Depp lembro até de um filme chamado L.A Without a Map em que Johnny é o oráculo de um escocês que vai tentar a sorte na California.

Acabada a sessão divã, vamos falar dos diferenciais de Donnie Brasco. O mais bacana em acompanhar a aventura “baseado em fatos” do agente do FBI Joseph Pistone estabelecendo contato com a máfia italiana pela porta dos fundos é a sensibilidade em retratar o aspecto humano da história. A pirotecnia dos tiroteios e fugas espetaculares fica em segundo plano. Mike Newell é um bom diretor inglês e tenho respeito por ele mesmo depois de Monalisa Smile.

Aqui acompanhamos a angústia do agente infiltrado ao trair os amigos-bandidos e a relação delicada que enfrenta em casa com a esposa e as filhas. O cara cria uma amizade verdadeira com o personagem mais ingrato da carreira de Al Pacino (mais perdedor que o cozinheiro Frank e Johnny e o assaltante meia-tigela de Um Dia de Cão). Estamos falando do figuraça Lefty Ruggiero, um daqueles ítalo-americanos de meia-idade crescidos em Nova Iorque a sombra da máfia. Superestima sua importância para os outros, pois sabe da sua insignificância naquela faixa de mundo em que vive. E chega um cara mais novo que tem a chance de refazer seu próprio caminho, a segunda chance pela qual todos clamam. Sem puxar no clichê, mas esse é irresistível – o duelo de interpretações é de sair faísca.

Na verdade, sentimos pena de Lefty Ruggiero. Três cenas em particular chamam a atenção – o encontro no hospital na overdose do filho de Lefty, o convite que Depp recebe em um barco devido a incompetência do parceiro e o confronto mais intenso entre os protagonistas - Donnie pede a Lefty para dizer o nome de um “amigo” morto por eles sob suspeita de traição. Ah ia esquecendo do momento em que Pacino lamenta que tem tanto azar que deve ter câncer no pau.

Donnie Brasco vale também pelo elenco de apoio que conta com gente como Michael Madsen e Anne Heche, pelo clima setentista sempre bem-vindo, sutilezas como a piada com os Sonny (Sonny Red e Sonny Black) e cenas memoráveis como a briga do casal no porão. Neste último, Depp mostra por que é indiscutivelmente o melhor ator de sua geração. Enfim, confesso que até hoje me emociono quando tenho a oportunidade de rever este clássico particular. Filme repleto de sensibilidade, mas pra macho.

Ponto Alto: Pistone é homenageado - ganha um cheque mixuruca das autoridades e fotos posadas. Ele olha para o nada e resume bem a importância pífia do sacrifício humano perto do intricado jogo dos poderosos. Putz, essa foi uma homenagem a minha adolescência esquerdista!

Ponto Baixo: o ritmo do filme é muito particular. Em alguns momentos, fica muito carregado, o que dificulta sobremaneira o acompanhamento. Eu nem liguei, mas tem gente que detesta o filme por causa disso.