25 de fevereiro de 2009

O Lutador

Os chatos criticaram a brincadeira com a rivalidade entre EUA e Irã no final de O Lutador. Meu Deus, não é possível que não tenham percebido a ironia. A grande piada sobre o estilo esbanjador dos americanos nos anos 1980 e a decadência dessa pujança econômica personificada no próprio protagonista. Quem gosta de wrestling senão o americano padrão, aquele redneck de carteirinha? E qual seria a reação desse público diante de um confronto-piada entre um “radical” iraniano e um herói yankee da velha-guarda? Nada além de uma deliciosa ironia deste Darren Aronofsky, que dá provas de realmente pairar acima da mesmice do cinema americano.

Na figura exagerada de Mickey Rourke o ícone perfeito de uma geração decadente. A fusão entre ator e personagem é mesmo impressionante. O estilo maduro e gente boa de Randy “The Ram”, um lutador de telecath ainda se equilibrando em ringues amadores em busca de uma glória sem volta, não poderia caber a outro ator. Rourke representou a decadência de um estilo de vida exagerado e fluorescente que deixou marcas profundas em quem o aproveitou sem meios termos.

Randy foi personagem de um videogame e agora dorme no carro, pois não tem dinheiro para pagar o aluguel do trailer que chama de casa - isso ultrapassa o conceito que temos do white trash lutando pelo seu espaço. Uma vez que a redenção não vai vir – o sonho americano do talento brotando na lama ficou no passado – o futuro é ainda mais sombrio. E o melhor é que tudo vem recheado por uma deliciosa farofa kitsch que está na música, no figurino, na direção de arte, nos personagens (Marisa Tomei também dá show em todos os sentidos) e respinga na cara do telespectador em cada frame de O Lutador.

Para ficar nos aspetos técnicos, as lutas são primorosas (a do grampeador faz qualquer um ranger os dentes) e se encaixam perfeitamente à narrativa – até que ponto é teatro, até que ponto está passando dos limites... E, tirado alguns exageros pirotécnicos do nosso cineasta (a entrada no açougue poderia ter ficado sem os gritos na platéia, como bem lembrou um amigo), O Lutador merece ser descoberto justamente por cuspir na cara do americano comum que o mundo mudou e ele não paira mais acima do bem e do mal. E olha que a mensagem é polêmica, pois a atuação irretocável de Rourke não lhe rendeu todos os prêmios que merecia. Agora vale mais ser chapa branca apoiando a causa homossexual utilizando-se de Sean Penn que escancarar a decadência de uma era com um galã deformado. Todos fomos enganados.

Ponto Alto: o diálogo exaltando a diversão desmedida dos anos 1980 em contraste com a deprê sugerida por Kurt Cobain na década seguinte. Coisa de gênio.

Ponto Baixo: entendemos a proposta de lugar comum no encontro com a filha (interpretada pela bela Evan Rachel Wood), mas faltou uma mão mais leve nestes momentos. A idéia podia ser outra, mas a mensagem que ficou foi de pieguice.

PS: reparem na cena externa em que Tomei e Rourke conversam em frente a um brechó; uma filial da Igreja Universal com letreiros em espanhol aparece atrás do ator. Como não acredito em “situações casuais” no cinema, fica a impressão de mais uma prova que os EUA dos anos 1980 realmente mudou.

18 de fevereiro de 2009

Rocky Balboa


Reza a lenda que o personagem Rocky Balboa foi inspirado em Chuck Wepner, um coadjuvante no mundo dos pesos pesados, que, por um golpe do destino, enfrentou Muhammad Ali. Chuck chegou a derrubar “o maior de todos os tempos” durante a luta. O problema foi que a batalha durou os quinze rounds previstos e Ali não derrubou o cara, apenas judiou. O negócio foi feio. Pego este mote, criou-se em época de moral em baixa nos EUA (todos citam a Guerra do Vietnã e o caso Watergate) o “freak” mais querido do mundo do boxe. O cenário: as ruas lavadas da Filadélfia, sinônimo de liberdade para o povo americano. O filme mostrava que qualquer um, inclusive um retardado que trabalhava como cobrador para os mafiosos, pode ser um vencedor.

O primeiro filme foi em 1976 e chegou a papar alguns Oscars (o detalhe é que Rocky perde a luta para Apollo Creed, apesar de ter uma versão dublada em que dizem que deu empate... nada a ver). O filme foi o golpe certo na carreira de Stallone; definitivamente, catapultou a carreira do astro. Pois depois de uma temporada tenebrosa (a série só caiu de qualidade ao longo do tempo), Rocky - agora um velho viúvo em conflito com o filho - volta às ruas molhadas da cidade natal e, na tentativa de promover um jovem e impetuoso lutador, encara uma improvável luta promocional. É a chance de redenção e a oportunidade de passar bons valores ao filho etc. O cara é um herói, mas tem de provar isso mais uma vez – dizem que as pessoas têm até três oportunidades de darem certo na vida, mas essa regra não se aplica ao nosso boxeador favorito. Rocky Balboa, apesar de puxar na sacarose em vários momentos, tem seu charme; afinal a despedida do Ganharão Italiano dos ringues não poderia passar despercebida.

Ponto Alto: as sequências de treinamento ao som clássico de Bill Conti e as cenas de luta são muito bem realizadas.

Ponto Baixo: Rocky continua aquele cara lento na vida social. Meio perdidão, sem tato nenhum com a mulherada. Naquela época era até legal ver isso; hoje, ninguém mais tem paciência.

P.S: dedicado ao amigo Dieguito.

12 de fevereiro de 2009

O Curioso Caso de Benjamim Button

Quem viu o novo filme de David Fincher com certeza vai o comparar a Forrest Gump. E a semelhança com a obra de Zemeckis não é à toa – os roteiros foram concebidos pelas mesmas mãos. No caso, as mãos de Eric Roth. Não sei se isso é bom ou ruim – pois apesar do inegável talento em dar vida a personagens fascinantes - Roth enfraquece o foco deste Benjamim Button, que é a ação implacável do tempo. E há outras peculiaridades que detonam com a pretensão épica idealizada por Fincher: a estrutura narrativa não é nada inventiva (e, como diz um amigo, lembra Titanic), a maquiagem e os efeitos comprometem qualquer verossimilhança (tudo bem que o tom era de fábula, mas fica o registro) e certas “liberdades poéticas” são, no mínimo, inadequadas (aceito sugestões para seqüências mais piegas que a do beija-flor).

Mesmo assim, justiça seja feita – as quase três horas de projeção jamais se tornam enfadonhas e a premissa é interessante demais. Também é preciso ressaltar que um pouco de altruísmo não faz mal a ninguém. O Curioso Caso de Benjamim Button prega virtudes e a mensagem de “viva o presente” é extremamente adequada para os dias atuais. Sem falar que, a despeito da inconsistência do roteiro, saímos realmente intrigados com a ação irremediável do tempo em nossas vidas. Isso eu comprovei em ver o rosto enrugado da personagem mais gratuita da trama, a leitora-de-diários vivida por uma das minhas paixões de adolescência, Julia Ormond.

No elenco, destaque para o charme e elegância de Cate Blanchett. Brad Pitt está bem e acho legal a idéia de criar expectativa para ver o ator de “cara limpa”. A seqüência do ataque suicida ao submarino é magnífica e as cenas de dança são extremamente bem realizadas, com exceção daquele encontro lúdico e brega à meia luz. Enfim, um filme bom e do bem, mas enfraquecido pela pretensão napoleônica de seu principal realizador.

Ponto Alto: Benjamim Button, agora quase um garoto, vislumbra o corpo desgastado da sua amada Daisy. Cena realmente deslumbrante.

Ponto Baixo: a invencionice narrativa da seqüencia do atropelamento em Paris não leva a lugar nenhum.