31 de janeiro de 2007

Babel

Não tenho certeza se o filme é realmente bom, mas, um fato é certo, é de uma autenticidade genuína. A autenticidade não chega a ser um traço de originalidade, mas um exercício cinematográfico tão precioso e de escolhas tão fortes, que é impossível passar despercebido e não se envolver nos meandros e peculiaridades da trama. Babel é tão denso que pode ser cortado com uma faca. Sei de uma coisa – saí do cinema exausto depois das quase duas horas e meias de projeção, a cabeça estourando. Entretanto extasiado e novamente encantado com as possibilidades abertas por Iñárritu e seu roteirista de carteirinha Guillermo Arriaga. Vou ser sincero, sensação parecida apenas quando vi Apocalipse Now.

Pois bem, no novo filme de Alejandro Iñárritu acompanhamos o desdobramento de um fato na vida de várias pessoas comuns em diversas regiões do planeta. A mesma idéia de Amores Brutos e 21 Gramas. A americana Suzan (Cate Blanchett) em passeio ao Marrocos com o marido Richard (Brad Pitt), leva um tiro enquanto cochila no ônibus de passeio. O tiro foi disparado pelos garotos marroquinos Ahmed (Said Tarchani) e Youssef (Boubker At El Caid) enquanto testavam a arma comprada pelo pai para afugentar os chacais do deserto. Enquanto isso nos Estados Unidos, a aventura da mexicana Amelia (Adriana Barraza) para cuidar dos filhos do casal em viagem, e não se ausentar de um casamento no México. Solução: levar os garotos ao evento. No outro lado do mundo, as aflições da personagem mais hermética do filme – a japonesa surda-muda Cheiko (Rinku Kikushi) e sua insegurança constrangedora.

Babel – o título diz respeito aos contrastes do mundo vislumbrada nos detalhes de cada idioma. Um mundo bem diferente, feito por pessoas diferentes, mas com sentimentos comuns. Angústias, dores e paixões não distinguem traço étnico, cultural ou geográfico. A inseguranças, a inveja, o medo e principalmente o amor pelos entes queridos. Uma proposta pretensiosa, difícil, complexa, mas de fácil identificação. Ousadia que acertadamente massacra o telespectador. Sem falar na coqueluche de cores, imagens, sons e odores que o diretor nos satura. Uma experiência exaustiva. O filme é mesmo palpável e, apesar de alguns deslizes (exemplo maior disso é a forçada participação dos personagens japoneses no evento central), passa muito longe da obviedade plástica e fácil do cinema moderno. No resumo da obra, um pouco mais que simplesmente cinema. Vida pulsando

Ponto Alto: A seqüência de Cheiko na boate.

Ponto fraco: a pieguice surge sim em alguns momentos. Infelizmente.

21 de janeiro de 2007

A Morte Pede Carona



Revi este clássico oitentista há pouco tempo. Tinha uma vaga lembrança... Na verdade, duas cenas ficaram na minha cabeça – o garoto comendo batatas e de repente surge um dedo no meio da gordurada, o outro momento era de uma garota presa a um tronco e prestes a ser partida ao meio. Nessa revisitada, pude conferir que as duas cenas estão lá mesmo – com diferenças sutis (o que o nosso herói come não é bem batata frita, talvez uma polenta ou algo do tipo e a menina está presa não a um tronco, mas entre dois caminhões, pelo que me pareceu). Mas pode acreditar, o filme é muito mais que isso. Diversão demais. Tem um roteiro ágil, meio absurdo, entretanto preserva uma generosa autenticidade, coisa rara nos dias de hoje. O elenco está afiadinho e o ritmo do filme está no tom correto, alternando acertadamente momentos de suspense, tensão, violência, ação e humor.

Dirigido por Robert Harmon (fez filme de Van Damme e hoje dirige vídeos musicais) em 1986, neste The Hitcher acompanhamos a saga do jovem Jim Halsey (C. Thomas Howell) na tentativa de se livrar das violentas armações feitas por John Ryder (Rugter Hauer, dando show), um psicopata a quem ele deu carona. Na verdade, Jim é um cara de Chicago e está levando o carro para a Califórnia, mas no meio do deserto texano oferece carona a um desconhecido, na tentativa de espantar o sono. Erro fatal, apesar de escapar do malucão na primeira vez, uma série de fatores e armadilhas levam sempre o garoto ao encontro do caroneiro.

O roteiro de Eric Red (também escreveu Near Dark), apesar de alguns deslizes, deixa a tensão lá em cima. E este filme que tem cara de filme de televisão nos deixa pasmados diante do suspense arrebatador (olha que adjetivo forte!). O simpático Howell (com aquela cara de galã desnutrido dos anos 1980) tem sérios problemas com a polícia do Texas, que o acusa dos crimes. Envolve-se com uma bela garçonete (Jennifer Jason Leight) e por aí vai. As risadas nervosas e as expressões de pânico protagonizadas por Howell são até bacanas, mas algumas pecam pelo excesso – tudo perdoável, afinal, estamos nos anos 1980. O legal da produção é que chega a um ponto em que parece não haver mais saída para o jovem. Porém, estamos falando do bom e velho cinema americano, no qual sempre há uma luz no fim do túnel. Apesar de algumas forçadas, escolhas fortes e o final arrebatador coroam todo o espetáculo. Diversão garantida ou seu dinheiro de volta.

Ponto Forte: a fotografia sempre retratando a imensidão e a aridez do deserto. Um posto de gasolina aqui, uma delegacia ali, mas a paisagem é só o deserto, sempre deserto.

Ponto Fraco: mais uma vez a forçada de barra em arrumar uma garota para o herói. Nash (Jason Leight) é uma gracinha, mas rapidamente simpatiza com o rapaz e está disposta a tudo para ajudá-lo. Verossimilhança passou longe.

13 de janeiro de 2007

Quando Éramos Reis


Zaire, 1974. Depois de perder o título dos pesos pesados por se negar a participar da Guerra do Vietnã e ficar sem três anos sem lutar (e da derrota para Joe Frazier), Muhammad Ali tinha a chance de redenção diante do fenômeno George Foreman. No comando deste embate histórico, Don King – um ex-presidiário e malandro que citava Shakespeare. Muhammad estava com mais de 30 anos e ia enfrentar um monstro na concepção da palavra. Foreman, no auge da forma física, massacrava seus adversários no início das lutas. Tanto que Ali comentou que o adversário só deveria saber contar até dois e fez uso dessa brincadeira para derrotá-lo. Pois bem, toda a história desta saga está resumida no excelente documentário Quando éramos Reis, direção de Leon Gast. Ganhou vários prêmios, salvo engano papou até o Oscar em 1997.

Sou meio suspeito pra falar, pois, na minha opinião, Ali é o maior esportista que já pisou nesta terra. Não só por ter sido um assombro no ringue, mas principalmente pelo ativismo político. Fanfarrão, arrogante, dava entrevistas com rimas que o exaltavam (alguém aí atrás disse rap?) e um dos primeiros negros a ter representação e agir orgulhosamente como negro, praticamente personificou o black is beautiful.

Nascido pobre na segregada cidade sulista de Louisville em Kentucky sentiu o racismo desde cedo e é emblemática a história em que jogou fora a medalha de ouro conquistada nas olimpíadas de Roma, em 1960. Campeão mundial aos 22 anos ao derrotar Sonny Liston. No dia seguinte ao feito, abandonou o nome de Cassius Clay e exigiu ser chamado por Muhammad (merecedor de todos os elogios) Ali (o melhor). Na verdade, foi influenciado por Elijah Muhammad. Segundo o radical segmento do Islã representado por Elijah, os homens brancos foram criados pelo cientista maluco Yacub, na ilha de Patmos (é sério isso!). Mesmo com tanta extravagância, Ali tornou-se um símbolo na luta contra o racismo nos EUA do porte de Martin Luther King e Malcom X.

Entretanto, é melhor voltar ao documentário. Além de toda a agitação com a chegada de Ali e Foreman- este chegou com um cachorro e representou, digamos, o homem branco, apesar de também ser negro. As pessoas gritando Ali Bumaye, a euforia nas ruas da pobre cidade africana. Vemos um pouco dos preparativos, Foreman era realmente um colosso. Descobrimos a estratégia usada por Ali, como um golpe desestabilizador no início da luta que irritou Foreman e o fez usar muita força. A queda do monstro no oitavo assalto mostrada em vários (para a época) ângulos. Os comentários de negros famosos como James Brown e BB King. Um filme a altura de Muhammad Ali. Um marco do nosso tempo!

Ponto Alto: Nos treinamentos, Foreman testando sua direita assombrosa.

Ponto Baixo: Por que o filme era apenas sobre uma luta? Imagine um documentário sobre a luta de Ali com Frazier em Manila.

6 de janeiro de 2007

9 Canções


A idéia de misturar uma estória de amor moderno com a energia do novo rock inglês parecia genial. Junte ao pacote, cenas de sexo explícito e reflexões filosóficas contemporâneas sobre as inquietudes da nossa geração. No comando da jornada, um diretor despojado e talentoso. Não poderia dar errado, mas deu. Os problemas estão na edição, digamos, inconveniente e, principalmente, na falta de magnetismo do casal principal. O espectador fica esperando passar as ceninhas de amor e angústia em um apartamento londrino para ir ao que realmente interessa: as apresentações ao vivo das revelações inglesas. Eu, particularmente, queria ver só as bandas tocando, ficaria bem melhor.

Na estória, enquanto Black Rebel Motorcicle Club se esgoela no palco, eis que um novo casal se forma. A americana mais ou menos Lisa (Margot Stilley), 21 aninhos descolada e chata, e o inglês Matt (Kieran O’Brien), que parece meio cansado das agitações e acha que encontrou a menina certa para envelhecer. Matt conta a estória em flashback durante uma expedição na Antártida, há ainda trechos de Michel Houllebecq meio perdidos no contexto. A evolução do relacionamento é até bacaninha, mas, quando começa a crise, não há Michael Winterbottom que dê jeito. A menina tem todas as paranóias dos moderninhos e faz beicinho a todo momento. Imaturidade que chega ao ápice quando o namorado a leva para um clube adulto. Não, faça-me o favor – clichê indie é de enojar.

O sexo é explícito sim, mas nem é de mexer com a libido; pode acreditar. Sexo relax feito entre um casal na intimidade do seu apartamento. Uma brincadeira erótica com os olhos vendados e não muito mais que isso; um pouco de sexo oral e apenas uma cena de penetração propriamente dita. E quanto às inquietações de um casal jovem e “inteligente”? Saudades da infinidade de citações nos filmes de Woody Allen. O que vale neste 9 Canções são as apresentações musicais. Muito pouco para algo que prometia tanto.

Ponto Alto: as apresentações do Von Bondies (C'mon, C'mon) e Elbow (Fallen Angels).

Ponto Baixo: O tal de Kieran O’Brien. Cara feio pra caramba, sem carisma e ainda por cima chato e arrogante.