30 de janeiro de 2008

O Gângster


Reza a lenda que quando da feitura de Blade Runner, Ridley Scott tinha a intenção de excluir a narração em off do personagem de Harrison Ford, idéia dos produtores. Porra, este detalhe foi um dos fatores que fizeram a fama cult do filme e coube como uma luva para o clima noir da ficção-científica. Assim, não é de estranhar que ao tenta fazer uma análise sociológica da sociedade americana na década de 1970, com elenco liderado por Denzel Washington, o diretor tenha entregue um filme apenas mediano. Não há qualquer dúvida que O Gângster paira acima da mediocridade que impera no cinema americano, mas ficou aquém da expectativa gerada. Todos esperavam a obra definitiva sobre a relação entre o sonho americano, a questão racial, a violência, a criminalidade, a relação com as drogas e não foi esse o resultado.

Na trajetória de Frank Lucas temos a exemplificação do efeito Eu sou 157 - música dos Racionais MC's na qual Mano Brown conta a trajetória de um bandido pra depois apresentar o final trágico e sem meio termos – a mensagem é que o crime não vale a pena, mas o planejamento do crime é o que fica marcado. Assim como na música, no filme é bem melhor acompanhar a ascensão que a queda (esta, aliás, é bem eufêmica). Nos anos 1970, um negro nascido na Carolina do Norte pode ser o número 1 de uma cidade como Nova Iorque por meio da venda de heroína trazida da Ásia dentro dos caixões que transportavam os soldados mortos na Guerra do Vietnã. Para firmar o negócio, ele busca a mãe e os irmãos e, por meio de comércios de fachada, vai distribuindo a droga e lavando dinheiro. Usa ainda sua influência para deslizar pela alta roda (é cumprimentado por Muhammad Ali e põe um sobrinho para defender os Yankees) . Lucas é maior que a cor da sua pele.

O traficante é inteligente, não resta dúvida, mas com uma lógica meio torta bota tudo a perder por meio de atitudes violentas. Ele luta contra a ostentação dos irmãos, mas a revolta pela redenção por ter crescido em meio a um sul extremamente racista é o ponto fraco do homem. É num ato impensado de exibicionismo, equipado com um indescritível casaco de chincila, que nosso vilão troca os pés pelas mãos e começa a inevitável trajetória ladeira abaixo.

No contraponto de Lucas, há o policial Richie Roberts vivido com competência por Russell Crowe. O cara estuda à noite, está se separando da mulher (mas pega muita gente por fora), foi criado em um local barra pesada e sua honestidade é vista como uma característica negativa pelos colegas de corporação. Assim, o personagem é construído na contramão dos clichês do gênero. O cara lidera uma equipe de investigação antidrogas e é quando seu caminho cruza o de Frank Lucas. O loser branco contra o winner negro, uma dicotomia interessante. Mas o desfecho torna-se desinteressante e até frustrante pela previsibilidade da situação.

Pois bem, o filme tem uma reconstituição de época beleza, músicas maravilhosas e uma produção caprichada, mas peca pela indefinição entre diversão e política. Alguns conseguem fazer isso com maestria, a exemplo Martin Scorcese no início de carreira. Não foi o caso de Scott, que, Deus sabe como, não conseguiu dar o tom necessário a esta epopéia urbana que já nasceu certa. Ainda espero o verdadeiro The Return of Superfy.

Ponto Alto: Josh Brolin como o policial ultracorrupto nos faz rememorar William Forsythe nos bons tempos.

Ponto Baixo: O filme é longo e merecia uma ediçao mais ágil.

3 de janeiro de 2008

Contra Todos


Fascinante, instigante e altamente deprimente a exposição de uma periferia tão sórdida, mas tão verossímil neste bom filme, que foge de qualquer estereótipo cinematográfico. Dirigido por professor da USP, Contra Todos tem como maior mérito o excelente acabamento na construção de seus perturbados personagens. Filmado com câmara digital em som ambiente e interpretações improvisadas, o filme segue a idéia de um olhar documental sobre existências miseráveis. Impossível ficar indiferente à desesperança de gente sórdida lutando pela sobrevivência em um ambiente tão desagradável.

A opção dos realizadores – Fernando Meirelles entre os produtores – foi construir a trama em uma periferia sombria, sem qualquer resquício daquela pobreza colorida e cercada de trajetórias alegres tão explorada pela mídia nacional. A vida naquela área da zona leste de São Paulo é escura e triste, não há qualquer resquício de felicidade ou sinal de alívio. O filme gira em torno da família de Teodoro (Giulio Gomes). Ele é um matador profissional que, na companhia do amigo Waldomiro (Ailton Graça), executa marginais nas proximidades de onde vive. A família de Teodoro ainda é formada pela filha rebelde, Soninha (Silvia Lourenço), e pela esposa infeliz (Leona Cavalli). Estes quatro personagens se confundem em suas frustrações, anseios e desejos em uma ciranda urbana, sombria e miserável.

O filme tinha tudo para ser uma bomba. Pensa comigo: intelectual paulistano fazendo retrato cru (com câmara na mão) dos pobres da sua cidade, interpretações comandadas pelo improviso e gente graúda na produção. Com exceção de um detalhe ou outro, pensamos logo em Cama de Gato. Entretanto, Contra Todos se prestou a ser apenas um filme e como isso valeu mais que qualquer panfleto repleto de idéias políticas ou interpretações sociais. A crítica está lá, obviamente, mas o filme vale mais como uma tragédia intimista bem elaborada e extremamente bem executada. Cinema brasileiro de primeira.

Ponto Alto: O elenco está irretocável. Não há qualquer crítica que possa ser feita neste sentido.

Ponto Baixo: As reviravoltas do roteiro, apesar de chocantes nas apresentações, foram idealizadas de maneira muito simplista. Pensando com calma, pode-se dizer que essa simplicidade se encaixa no contexto do projeto. Como sou obrigado a falar mal de alguma coisa, fica o registro.