18 de novembro de 2006

Garganta Profunda


Engraçado, inovador, divertido e sensual... Para este divisor de águas da história do cinema todos esses adjetivos são poucos. Gerard Damiano dirigiu o clássico absoluto do pornô em 1972 com dinheiro da máfia e o filme se tornou tão famoso que chegou a passar em cinemas convencionais. Feito no verão de Miami em apenas seis dias, o filme lançou Linda Lovelace para o estrelato e foi precursor de todo um conceito de comportamento, além de ter gerado uma verdadeira fortuna. Segundo o documentário Inside Deep Throat, lançado recentemente, Garganta Profunda é o filme mais rentável da história do cinema (custou 25 mil dólares e rendeu cerca de 600 milhões). Dinheiro que pelo jeito só foi para a família mafiosa Peraino, pois, segundo o documentário, a galera do filme não anda muito bem de grana.

É pra tudo isso? É sim, pode acreditar. Claro que a garotada de hoje vai achar a proposta da produção ingênua, pois não mostra nada que já não se tenha visto em qualquer filme adulto por aí. Alguns momentos, como beber coca-cola de maneira pouco convencional, continuam ousados, sem falar que tem fetiche pra todos os gostos, desde sexo com enfermeira até depilação. Mesmo assim é inegável que o filme de Damiano envelheceu com dignidade. Apesar da nova geração fazer cara feia, é fato que nenhuma menina do leste europeu de hoje em dia alia charme ao conhecimento do ofício como a rainha Lovelace. Alguns diziam que ela era engolidora de espadas em circo e que fez uma famosa cena com um cachorro pastor alemão antes da fama – boatos nunca comprovados. Agora os fatos, Linda (na época com 23 anos) recebeu apenas 1.250 dólares para participar de Garganta Profunda e foi “encaminhada” pelo maridão linha-dura Chuck Traynor, que depois de se separar de Lovelace, fez e casou-se com outra diva do pornô, Marilyn Chambers. Várias lendas e histórias surgiram depois, mas isto é papo pra outra hora.

Deep Throat começa com Lovelace passeando de carro por Miami, enquanto vão surgindo os créditos ao som de uma musiquinha tipo “funky”. Ela é apresentada como herself (olha a onda). Linda divide a casa com sua amiga Helen (a louca balzaquiana Dolly Sharp), a quem confidencia que apesar de gostar de sexo não consegue ouvir sinos tocando e ver foguetes no céu. Depois de uma estonteante orgia, mas sem sinos, Helen sugere que Linda vá procurar o psiquiatra Dr. Young (Harry Reems). O cara é maluco, mas identifica que o clitóris da paciente está na garganta. Com a descoberta, ela parte para uma nova empreitada sexual, o primeiro “cobaia’ é o próprio Dr. Young. Sinos e foguetes!!! A garota fica tão empolgada que diz que quer se casar com o psiquiatra, mas ele sugere a ela que seja uma espécie de fisioterapeuta-enfermeira para tratamentos heterodoxos. Enquanto faz sexo com outra bela enfermeira (a angelical Carol Connors), o doutor vai gravando os relatórios dos pacientes tratados por Lovelace. E é só isso, até que com pouquinho mais de 60 minutos surge o “The End” na tela completado por um “and deep throat to you all”.

Mas o filme é bacana e tão anárquico em sua proposta que chega a ser, acima de tudo, divertido. Em uma época que o sexo oral era ainda uma espécie de tabu, inegável que uma produção saída do nicho pornô tenha criado um conceito e aberto o caminho para o hedonismo que marcou os EUA na década de 1970. Na época em que o pornô era realmente transgressor e tinha estilo não apenas uma formalidade financeira. Não é a imitação do conceito de uma época, mas um estilo em sua essência sendo exposto em sua própria época. Deep Throat é pornô pra ser visto com nostalgia e, o melhor, sem o uso do forward.

Ponto Alto: a trilha sonora é alucinante. Boa demais!

Ponto Baixo: observação boba, mas senti falta de uma maior exploração da nudez propriamente dita de Lovelace.

OBS: difícil encontrar a trilha sonora; quem tiver alguma coisa mande um e-mail!

16 de novembro de 2006

A Casa do Cemitério

A definição de cineasta europeu barato se enquadra perfeitamente em Lucio Fulci. Mas o barato dele tem, e muita, qualidade, sem falar no estilo. Ele passeou pelos mais diversos gêneros e, apesar de ter feito boas coisas no Spaghetty Western, é pelos filmes de horror que é lembrado. Em A Casa do Cemitério, realizado em 1981, encontramos um bom exemplo do cinema de Fulci, apesar do resultado em questão ser um dos mais fracos do diretor.

Trama completamente absurda com situações que passam longe de qualquer traço de verossimilhança, mas compensadas por generosas doses de violência sem qualquer alívio e um clima de suspense magistral que impregna todo o filme. Na verdade, o fato da trama ser absurda não chega a ser um ponto negativo, ao contrário - nestas estórias sem pé nem cabeça em que tudo pode acontecer a imprevisibilidade acaba sendo um dos fatores que reforçam a situação de insegurança do espectador.

Neste A Casa do Cemitério a trama gira em torno do casal Boyle e seu filho Bob (Giovanni Frezza, que parece saído do set de A Guerra do Fogo, tal a grosseria dos traços do seu rosto) que por culpa de uma pesquisa acadêmica vão parar em uma casa em estilo vitoriano, nos arredores de Boston. A casa parece guardar um terrível segredo no porão, conforme comprova um incauto casal antes dos créditos iniciais. E guarda mesmo – vale lembrar que no passado, a mansão havia sido habitada pelo bizarro Dr. Freudstein, médico de métodos pouco convencionais. Há outros personagens como a babá Ann (Ania Pieroni), a fantasma-criança do bem e várias seqüências em que o sangue jorra aos montes. Mesmo com esse roteiro, o filme consegue se sustentar pelo estilo, sem falar naquele clima de suspense desconfortável construído com a precisão de um artesão.

Colaborador habitual do diretor, Giannetto de Rossi (famoso pela intensidade de sua obra, apesar de em alguns momentos deixar transparecer as limitações orçamentárias das produções) ficou com os efeitos especiais e maquiagem; a violência realmente é gráfica e intensa, sem cortes. Mas há cenas fracas como a morte da corretora de imóveis, no qual o furo feito no pescoço da vítima parece mudar de lugar na hora do sangramento. Tudo bem, em The Beyond há as indescritíveis aranhas de plástico. Quem gosta deste tipo de cinema não tem o direito de ficar reparando nestes detalhes; como é meu estilo favorito, então... Agora o decepcionante em A Casa do Cemitério é o monstro na resolução da trama. Figura tão ridícula que apesar do esforço de escatologia incessante não deixa de ser engraçado. Desapontou, pois comprometeu o suspense de toda a trama. Definitivamente não é um dos melhores filmes do mestre, mas garante a diversão. Afinal, é Lucio Fulci!

Ponto Alto: o destino de Bob é uma bela sacada.

Ponto Baixo: há o excelente uso de close nos olhos para mostrar o flerte entre o chefe da família e a babá. Entretanto, a situação nunca é desenvolvida!

4 de novembro de 2006

Infernal Affairs


Isto sim é uma saga policial. Consegue aliar estilo impecável a um roteiro bacana, no qual se destacam não apenas as pirotecnias do gênero, mas o aspecto humano também tem papel fundamental. Os chineses já dominam a técnica de fazer filmes policiais há muito tempo (vide a importação em massa de idéias e cineastas orientais de ação para a terra do tio Sam). Entretanto quando a galera está no seu terreno e falando sua língua, o show de criatividade é inigualável. Feitas essas considerações iniciais, vamos ao que interessa.

Neste filmaço de 2002, feito pelos talentosos Andrew Lau Wai-keung e Alan Mak Siu-fai, a trama gira em torno de Lau (Andy Lau) e Yan (Tony Leung) que assumem uma relação promíscua entre o submundo do crime e a força policial. Enquanto Lau é mandado para ser um bandido de Sam (Eric Tsang) infiltrado na polícia de Hong Kong, Yan faz o caminho inverso, sob a supervisão do Inspetor Wong (Anthony Wong). O circo está armado e em dez anos eles se perdem no papel de infiltrados, não sabendo ao certo qual posição tomar. Lau é um policial brilhante e ganha espaço na carreira, além de uma estável vida particular. Yan, por sua vez, está acabado, e em todos os encontros com Wong reafirma o interesse em abandonar a vida dupla.

Os duelos da troca de informações são espetaculares. Enquanto Lau tem a disposição um vasto aparato tecnológico usando e abusando da confiança que seu papel na Polícia lhe dá, a posição de Yan é extremamente delicada e ele opta pelo código morse para se comunicar com seu protetor. O espectador se contorce a cada cena, pois a tensão chega perto do insuportável. Destaque para a interpretação magistral dos protagonistas. Outras cenas ainda merecem destaque, como a perseguição no cinema, a ligação de Lau para Yan e o desfecho primoroso.

Tecnicamente o filme também dá show. A música se encaixa perfeitamente e a composição da fotografia é perfeita. Neste último quesito, lembrei do estilo Michael Mann. Sei que este primeiro Infernal Affairs abre uma trilogia e não posso esconder a ansiedade em ver os outros dois capítulos. Sobre a versão americana que está chegando aos cinemas, conselho - beba logo na fonte original, afinal vai longe o tempo que Scorcese realizou Caminhos Violentos.

Ponto Alto: O show de Eric Tsang no papel do bandidão Sam. Baixinho com cabelos na oxigenada, o cara faz um vilão debochado e caricatural, sem nunca perder a crueldade que o papel lhe pede. Olha que Scorcese escalou Nicholson para esse papel em Infiltrados. Sentiu o drama?!

Ponto Baixo: a situação de Yan com sua bela psicóloga e sua ex-namorada não passam pelo desenvolvimento necessário.

2 de novembro de 2006

Alerta: O Pagamento Final - Rumo ao Poder


Esse é bomba. Ninguém veja isso, pois o filme faz você ficar com raiva até de Brian De Palma e Al Pacino que realizaram o original em 1993. Não há muita coisa que se aproveite neste protótipo de filme de TV. Pensando bem, tirando o visual de alguns personagens, não há nada que se aproveite. A estória diz que é um prequel do bandido bacana Carlitos Brigante, idealizado pelo juiz Edwin Torres e que ganhou vida no bom O Pagamento Final. Este prequel é um emaranhado de clichês mal costurados de filmes de gângsteres. E o pior, sem estilo de tudo e com uma série de situações que parecem chupadas de sitcoms. Ruim de doer.

Jay Hernandez faz o papel de Brigante. Comparar com Pacino? Até acho o garoto esforçado e é inegável que tenha sua dose de carisma, mas aqui ele fica comedido, não se entrega. Parece que sentiu a responsabilidade de fazer um Pacino jovem e tentou levar no melhor estilo cool, mas não conseguiu. Ele aparece na cadeia e lá se junta a dois pilantras para dominar o comércio de heroína no Harlem. O negro Earl (Mario Van Peebles, na fase que vem depois da decadência) é bem articulado e mantém negócio mesmo dentro da prisão; o italiano Rocco (Michael Kelly) tem um fornecedor e só precisa do porto-riquenho pra distribuição, pois o submundo do Harlem está dividido entre as três “etnias”. Aí entra Brigante que parece ser um mero puxador de carros, mas tem moral na cadeia e, logicamente, é muito esperto.

No rol de personagens ridículos vamos aos prêmios. O quinto lugar vai para a namorada do protagonista, Letícia (Jaclyn de Santis). A menina é bonita, mas o envolvimento é tão forçado que os momentos entre os dois são constrangedores. Destaque para a cena em que Letícia chama Carlitos de mentiroso. A menina é ruim demais. Em quarto lugar não poderíamos deixar passar a presença imponente de nosso amigo Luis Guzmán em um papel de justiceiro sem maior importância. Parece que foi colocado no filme de última hora. Ele mesmo não leva a sério.

Quebrar o parágrafo para o terceiro lugar, que vai para o chefão italiano Artie Bottolota (Burt Young, pagando penitência). Ele faz um carcamano tão sem noção que acaba ficando engraçado/ridículo. A medalha de prata fica com Sean Combs, Puffy Daddy, no papel do chefão Hollywood Nicky. A entrada do cara com uma xícara de ouro e o comentário no bar depois de matar um desafeto são cenas que não possuem definição. Sem falar no visual bandido almofadinha.

Combs tinha tudo pra levar o ouro, mas não. O roteirista e diretor criou o insuperável Reggie (Mtume Gant), irmão de Earl. Ele é um negro ligado a movimentos sociais e que mantém distância dos negócios da “família”, mas com a saída do irmão dos negócios vai passar por um treinamento com Brigante no submundo do Harlem. Um dos personagens mais caricatos, ignorantes e insuportáveis da história do cinema. Desagradável é eufemismo. Detalhe para a cena em que faz um seqüestro meio tosco do filho de Bottolota. Sem falar que mal aparece e rapidamente toma lugar de destaque na trama. Demais isso!

O filme original não chega a ser uma obra-prima irretocável, mas é muito bacana e por isso merecia mais respeito!Quem cometeu tudo isso? Um tal de Michael Bregman, diretor e roteirista. Então quando ver este nome, fuja da armadilha.

Ponto Fraco: esqueça a relação com o anterior, pois ela simplesmente não existe. Qualquer referência ao filme original é feita de maneira errada!