23 de setembro de 2006

Emmanuelle


O filme, realizado em 1974, passou quase dois anos em cartaz na França, lançou Silvia Kristel como uma das musas eróticas dos anos 70 e foi baseado em romance homônimo (supostamente autobiográfico) de uma tal de Emmanuelle Arkan. Mas, acredite, a badalação passa dos limites, pois a produção é pra lá de convencional (pode ter servido de referência no passado, sei lá) e conta uma estória de ócio e luxúria das mais ridículas. Sem falar que tirando o comportamento dos personagens e uma seqüência no bar em especial, Emmanuelle não pode ser considerado nem ousado.

Vamos aos fatos. Bela modelo francesa, aparentemente sem nenhuma crise existencial, sai de Paris e vai acompanhar Jean (Daniel Sarky), o marido diplomata, na exótica Tailândia. Sem ter NADA a fazer da vida acaba influenciada pelas não menos fúteis ricaças européias instaladas no país e se entrega à libertação pelo sexo. O maridão - cuca aberta que só ele - dá força para que a esposa não se deixe reprimir pela culpa. Ela então se apaixona pela belíssima Bee (Marika Green), mas a amante a acaba dispensando. Jean sente dó da esposa amargurada com o fim do relacionamento lésbico e sugere uma didática com o pervertido Mario (Alain Cuny). E esse Mario é um velhote com tiradas baratas e uma canastrice de arder os olhos que simplesmente faz Emmanuelle perceber no sexo a motivação derradeira para a vida. E o filme acaba na sugestão de que ela teve o clique e vai mesmo se entregar ao hedonismo sem ressentimentos.

E isso que se arrasta por quase uma hora e meia de projeção. Vale mencionar ainda uma série de situações mal explicadas. Uma em especial chama a atenção – ao ser instigada pelas amigas, Emmanuelle afirma que nunca traiu o marido em Paris. Entretanto, em um péssimo flashback, confessa que no avião transou com dois incautos passageiros. Não entendi a lógica desta cena no contexto da trama. Ah, ia me esquecendo das cenas lúdicas regidas por música francesa. Brega demais, mas confesso que cai como uma luva neste mundo dos ricos inúteis e pervertidos. Por fim, fica o registro do belíssimo casting feminino. Muito pouco para um clássico!

Ponto Alto: a cena do pompoarismo em uma boate é realmente a mais marcante.

Ponto Baixo: Tailândia tem todo aquele exotismo asiático, mas o deslumbramento e a infantilidade dos “civilizados” europeus frente aos costumes locais trazem o velho ranço colonialista.

17 de setembro de 2006

Matador


Este suspense divertido com jeito e cara de cinema barato europeu é um dos grandes achados de Almodóvar. Matador é filmaço; pesado, sujo e absurdamente ridículo. O cineasta nos brinda com aquele seu estilo que virou referência: personagens caricaturais, amores obsessivos, tragédias, tudo embalado em uma atmosfera colorida e bem acabada apesar da simplicidade da produção. O filme ajudou a perpetuar o estilo Almodóvar quando seus filmes ainda não eram cleans ou seguiam a cartilha do chocante convencional.

Aqui, a trama gira em torno do toureiro Diego (Nacho Martinez), que, aposentado devido a um grave acidente, vive de dar aulas de tauromaquia. Canastrão, metido a galante, Diego é sedutor e enlouquece as mulheres. As coisas se complicam quando um aluno, Angel (Antonio Banderas), reprimido pela mãe religiosa (membro da Opus Dei) decide provar ao mestre que também se dá bem com as garotas. Faz uma tentativa desengonçada de estupro a modelo Eva Soler (Eva Cobo, a mais fraca do filme), namorada do seu mestre. Amargurado, ele se entrega a polícia e atribui a si uma série de assassinatos. A sensual advogada Maria (Assumpta Serna) aparece para defender Angel. Uma certa obsessão pela arte de matar e de morrer e está armado o circo, o que se segue é Almodóvar, no auge e sem concessões.

Verdade que o filme perde um pouco do ritmo no desenrolar da trama. O final previsível e uma série de coincidências teatrais deixam a verossimilhança de lado. Entretanto, a composição precisa de imagens e a criação anárquica dos personagens compensam qualquer deslize. Não por acaso, o ESTILO marcante e a condução irregular lembram Jesus Franco (vale lembrar que na primeira cena do filme, Diego se masturba durante a exibição de um filme de titio Jess).

Não é fácil enquadrar Matador em um gênero, pois são tantos estilos misturados, que a definição de thriller realmente é simplória. Enfim, cinema europeu como a gente gosta. Destemido, visceral, repleto de referências e ainda com atores que ficariam famosos a posteriori suando a camisa em começo de carreira. Ainda inigualável.

Ponto Alto: A cena em que Almodóvar surge como um estilista. Na preparação para o desfile, as modelos se drogando, maior loucura. Em um dado momento, uma vomita no vestido da outra. O estilista manda a pérola: “Não se preocupe. Desfile assim. Está divina. Fantástica”.

Ponto Baixo: Em alguns momentos, Almodóvar se esquece do mundo e se entrega aos seus delírios. O que são aqueles closes nas partes íntimas dos jovens toureiros? Gratuito e fora de contexto.

9 de setembro de 2006

Águia na Cabeça


Paulo Thiago - aquele que recentemente fez o fraco O Vestido – realizou no começo dos anos 1980 um filme policial brasileiro bem acima da média. A trajetória de César (Nuno Leal Maia), braço direito do senador Ramos Guimarães (Jofre Soares), expõe o que há de mais vil e baixo em uma ascensão movida pela ambição sem limites. A estória é clichê de primeira e poderia ser contada em qualquer lugar do mundo, mas o toque nacional vem da forte presença religiosa (candomblé e catolicismo naquela mistura tipicamente brasileira) e do jogo do bicho.

O charme da produção está mesmo neste diferencial brasileiro. Neste carioquismo quase palpável. César, antes de virar o jogo, em conversa com a amante (Torloni, em boa atuação) lança o chavão de Copacabana e sua representação de status. O fascínio de Águia na Cabeça está sobretudo na brasilidade do jogo do bicho e de seus representantes. Um desfile de carisma entre os chefões da contravenção, Jece Valadão (Canedo), Hugo Carvana (Turco) e Maurício do Valle (Capitão). Vale mencionar as presenças ainda de Chico Diaz, como um matador de princípios, o sempre figura Wilson Grey, na pele do malandrão Helinho, e a bela Zezé Motta como Gracinha, a amante sensível e decidida de Valadão.

Boa parte da imprensa torceu o nariz, mas é caso de injustiça, pois estamos diante de um filme, no mínimo, repleto de estilo. Tudo bem que o cerne da trama realmente é convencional, há erros de continuidade que fazem corar Jess Franco e a direção de arte parece obra de um garoto do ensino fundamental (MEU DEUS, o que é aquele camarote do carnaval carioca?). Mas, acredite, isso é pouco perto de tanto estilo - Jece Valadão usando o paletó por cima dos ombros e as tiradas de Carvana, em atuação simplesmente genial. Não há como esquecer o “Puta que o pariu. Tão pensando que Ballantines é cachaça Pitu, porra...” e o “Quem matar o dragão primeiro, come o c... da princesa”. Sem falar que o filme jamais perde o ritmo e neste caso o fator entretenimento também cumpriu seu papel. A música-tema, interpretada por Fafá de Belém, fica martelando na cabeça. Ah, ia me esquecendo da homenagem sem meio-termo ao Boca de Ouro do Nelson Pereira dos Santos. O saldo, sem sombras de dúvida, é positivo.

Ponto Alto: a relação complexa entre os personagens de Valadão e Motta. A coisa poderia descambar para a paródia, mas a briga entre os dois em momento crucial da trama revela uma relação densa e extremamente sofisticada.

Ponto Baixo: não consigo simpatizar com Xuxa Lopes, que aqui faz o papel da filha do senador.

1 de setembro de 2006

Heavy Metal


Realizado em 1981, não foi por acaso que este desenho virou cult. Baseado no famoso gibi franco-americano, o longa-metragem contou com a participação de gente de talento como Ivan Reitman (produtor), John Candy (dublador) e Dan O’ Bannon (co-roteirista). A trama, na qual uma esfera malvada que veio do espaço repleta de más intenções assusta uma garotinha com estórias pervertidas, é o que menos importa, o que vale aqui é a mensagem pra lá de politicamente incorreta e o estilo ímpar dos desenhos. Uma delícia visual - pós-psicodélico na medida certa, meio louco, colorido, mas com um pé forte na razão. Com exceção de algumas passagens, o devaneio sempre serve ao enredo e não o contrário.

A premissa é maluca sim e as estórias são meio ilógicas, mas tudo se encaixa nesta viagem oitentista sobre um futuro retrô (como Nova Iorque ainda ostentando o WTC) e universos paralelos oníricos. Muito sexo, violência e imoralidades concebidas bem antes da obviedade dos desenhos da MTV. Programa de qualidade!

Ponto Alto: Os desenhos das mulheres nuas são fabulosos.

Ponto Baixo: Tudo bem que o roteiro não faça sentido, mas a intenção mal resolvida da esfera maligna passa dos limites. Ela conta histórias em que sai derrotada, além de dar a deixa para sua adversária.