28 de maio de 2006

Henry – Portrait of a Serial Killer


Realizado em 1986 e com aquela cara de produção independente americana, Henry virou referência para os apreciadores do cinema pouco convencional. A suposta trajetória do serial killer Henry Lee Lucas ganha contornos dramáticos e aquele tom documental imprescindível à proposta do filme nas mãos habilidosas de um diretor quase estreante, John McNaughton, e de um talentoso protagonista, Michael Rooker. Grandalhão e com jeitão abobado, foi a escolha perfeita para um personagem tão polêmico.

No filme, uma licença poética para a introdução de dois personagens que dão caráter verossímil a errante história do serial killer. No caso em questão, o objeto do afeto, Becky (Tracy Arnold), dançarina de strip-tease que depois do fracasso do casamento vai a Chicago atrás do irmão Otis (Tom Towles), que divide um apartamento com Henry.
No começo da trama, somos informados que estes personagens são fictícios, mas eles transmitem uma veracidade e uma complexidade inédita a história de figuras que são retratadas de maneira sempre linear e superficial. Neste caso, o monstro fala, trabalha, até parece se apaixonar, sem nunca, logicamente, deixar de matar da forma mais cruel possível para aliviar traumas de infância e um evidente distúrbio mental. Otis, pilantra que está na condicional, vira parceiro e realiza barbaridades (registradas em VHS para posterior deleite) ao lado de Henry.
O filme é curto, mas tão impactante que ficamos boquiabertos até o final dos créditos. O espectador está horrorizado diante de tamanha brutalidade e da constatação de como monstros realmente não estão escondidos atrás da velha retórica maniqueísta.

Ponto Alto: um assalto cometido por Henry e Otis contra uma família é de provocar calafrios em qualquer um. Fica-se com ânsia de vômito, mas não se pode negar a realização irretocável.

Ponto Baixo: os efeitos especiais e a maquiagem deixam a desejar. O olho furado com pente, em momento crucial da trama, explícita bem essa limitação.

27 de maio de 2006

Black Christmas


Bob Clark, aquele mesmo por trás de Porky’s, foi um dos precursores dos slashers que invadiram as telas americanas na década de 1980. O filme que abriu as portas para a matança de Halloween e Sexta-feira 13 é uma produção original e intrigante que data de 1974. No caso em questão, Clark nos brinda com o hoje quase cult Black Christmas com a estória de um assassino que resolve atacar uma irmandade feminina no natal. Como protagonista, a gata Olivia Hussey (a Julieta de Zefirelli), no elenco ainda gente como John Saxon e Margott Kidder.

Clima sombrio reforçado pela noite fria do natal, fotografia muito escura, mas sempre eficiente – ao contrário daquelas produções B nas quais não se consegue ver nada - e um roteiro que aposta em um clímax previsível, mas delicioso. Precisa mais? Então anote, câmera subjetiva usada com propriedade ímpar e uma idéia brilhante na identificação das ligações que aterrorizam as garotas. Genialidade retrô. Há, digamos, falta de nudez (afinal, o cara concebeu Porky’s a posteriori) e a maioria das mortes são offscreen, mas nada que comprometa. Uma verdadeira preciosidade.

Ponto Alto: a morte de Barbara (personagem de Kidder) é Argento puro. Ver pra crer!

Ponto Baixo: não gosto das seqüências engraçadinhas. Essa praga de alívio cômico estraga o clima.

1 de maio de 2006

Audition


Takashi Miike é extraordinário! O diretor japonês consegue impregnar seus filmes de um exagero e uma vivacidade poucas vezes vista na história do cinema. Miike é um cineasta independente na concepção da palavra. Seus filmes fazem parte daquele rótulo barato de Asia Extreme, mas vão bem além disso. Miike nos fez mudar a idéia de disciplina do Japão; de um país que só existe para o trabalho. Ele nos fez abrir os olhos para um Japão assustado, o Japão recordista de suicídios, um Japão com valores morais comprometidos pela uma ocidentalização inevitável e que arrebata muito mais que traços étnicos ou culturais. Seus filmes são viscerais e pedem socorro para uma sociedade oprimida. Seja a saga gore de um justiceiro panaca em meios a membros da Yakuza com Ichi, The Killer, seja a saga policial violentíssima e inteligente de Dead or Alive (meu predileto) ou a degradação moral de uma típica família nipônica com Visitor Q. Entretanto, o filme que fez o mundo virar a cabeça para olhar mais de perto Miike foi o surpreendente Audition.

A produção de 1999, baseada em livro de Ryu Murakami, conta a história de um bem resolvido viúvo em busca de uma nova parceira. Logo no início, somos surpreendidos com a morte da mulher de Shigeharo Aoyama (Ryo Ishibashi). O filho pequeno, Shigehiko, levando um presente para a mãe doente; fotografia leve retratando a emotividade na cena. Com a morte da mulher e mãe, pai e filho pedem para todos saírem do caminho e partem com a suas dores em meios às ruas de uma grande cidade japonesa. Sete anos se passam, a família conseguiu superar a ausência do ente querido e vive muito bem. Mas o pai está envelhecendo sozinho e o filho sugere uma nova esposa. A oportunidade surge por meio de uma seleção para a escolha de uma atriz jovem para um filme. Antes, o senhor Aoyama confidencia ao amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura) que não quer uma mulher jovem, mas uma garota que trabalhe e tenha alguns talentos como cantar, dançar e tocar piano. Detalhe, ele quer um pouco da falecida na nova mulher.

Antes mesmo dos testes, Shigeharo já se mostra encantado por uma das candidatas, a doce Asami Yamazaki (Eihi Shiina) que estudou balé por 12 anos e parece um pouco blasé demais. Uma frase da carta de apresentação da garota fica na cabeça do cinquentão: “ A grande esperança torna-se a grande frustração”. Sinistro. Para resumo de história a menina torna-se bem acessível e eles rapidamente estão saindo. Com o devido respeito nipônico, é claro! Um sumiço inesperado de Asami em um final de semana na praia e uma rápida investigação revela detalhes sórdidos. Tudo aos poucos, caminhando para o explosivo final. Essa conclusão, por sua vez, é feita sem qualquer concessão. Um clímax lento e doentio, com direito a mutilações e um teste de dor que vai fazer qualquer um cerrar os dentes. Miike ainda nos deixa angustiados com uma brincadeira de edição sobre a condição embriagada do protagonista e a veracidade ou não dos acontecimentos. Crianças em cenas violentas nos traumas de infância que inevitavelmente vêm à tona. Ficamos estarrecidos.

O filme é um primor e consegue nos envolver com as motivações dos personagens sem nunca parecer forçado. Os personagens são apresentados e construídos como em um bom romance. Adoro aquele plano em que Miike posiciona a câmera em um canto e deixa os atores agirem da forma mais natural possível, como se não houvesse qualquer interferência externa. Ficamos íntimos em muito pouco tempo e com a mesma estratégia compartilhamos, aflitos, a dor e a angústia. O envolvimento do casal principal também soa convincente, sem atropelos. Vamos sendo seduzidos até que no final a explosão de violência e sadismo por meio da inocência. Uma Lolita de Nabokov elevada à enésima potência. Audition é desde sempre um clássico moderno. Pra quem gosta de bom cinema!

Ponto Alto: a sensatez do amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura). O cara é uma figura, sempre cínico e com uma frase afiada na ponta da língua. Acaba por premeditar o pior. O legítimo alter-ego de Miike!

Ponto Baixo: faltou uma nudez da nossa querida protagonista. Faz o que faz e não mostra nada... Faça-me o favor Eihi Shiina!