27 de junho de 2007

Lady Vingança


Chan-Wook Park encerra com maestria sua trilogia sobre a vingança. Vingança que traz todas aquelas indagações filosóficas (salvo engano, o cinesta é filósofo de formação) sobre a relação “promíscua” entre a vítima e o algoz, sobre a questão de quão longe se pode ir, sobre a própria maldade humana. Falo de maldade em letras garrafais, pois em Lady Vingança temos um dos personagens mais filhos-da-puta imaginados pela mente humana. Baek (Min-Sik Choi) é praticamente o mal encarnado, capaz de atrocidades de fazer corar o mais escroto dos oficiais nazistas. E esse cara tem um fim digno de sua persona. Pois bem, o filme que trata da vingança de uma bela garota que, depois de treze anos presa acusada de matar um garoto de seis anos, vai atrás de seu companheiro, o verdadeiro culpado pelo crime e que também raptou sua filha. E em um exercício de estilo muito genuíno com enquadramentos e construções estéticas estupendas vamos tomando par do engenhoso plano da bela Geum-ja (Yeong-Ae Lee).

Delicada e aparentemente submissa durante a prisão, a garota cria uma teia de relações na cadeia que será usada em seu ardor maquiavélico. Todos os envolvidos têm importância na intricada trama de vingança. Aqui vale uma ressalva - há personagens demais e alguns têm a importância diluída ou são valorizados de uma hora para outra. Mas isso é coisa menor perto da magnitude do filme. Pois bem, na trama, Geum-ja ainda arruma tempo para buscar a filhota, adotada por um casal australiano, e para se envolver com um garoto bem mais novo como forma de expiação.

Geum-ja então põe em prática o plano depois de uma estranha reviravolta em que o vilão quase toma o controle da situação. Por fim, revelações que escancaram toda a maldade do Sr. Baek. Cenas de pavor costuradas com a precisão de um artesão angustiado e provocativo. Esses momentos despertam reações conflituosas nos espectadores – vi gente saindo da sala de projeção. O lance é punk mesmo, a aguardada vingança então é concluída com requintes de uma crueldade primitiva. O final branco e plástico propõe uma redenção aos moldes coreanos. Difícil dizer qual o melhor da série, mas é fácil afirmar que estamos diante uma complexa reflexão filosófica oriental em forma de cinema. São obras assim que nos fazem manter a fé na sétima arte.

Ponto Alto: a interpretação deliciosamente ambígua de Yeong-Ae Lee.

Ponto Baixo: O epílogo se arrasta por tempo demais.

22 de junho de 2007

Machete


They call him Machete. Caramba - o trailer que aparece em Grindhouse é a melhor coisa que vi do cinema nos últimos tempos.

Trejo retomando o personagem de Pequenos Espiões e o padre que fazia parte do emblemático Cheech & Chong. Vou parar por aqui e destacar meu agradecimento a parceria bagaceira entre Dany Trejo e Robert Rodriguez. Aí está a salvação para o cinema comercial!

11 de junho de 2007

Zodíaco


São Francisco. Ao meu ver, a cidade que melhor exterioriza essa grande contradição chamada Estados Unidos. Mezzo californiana, mezzo sulista. Libertária e conservadora. Republicana, mas cheia de gays e berço do movimento hippie. E neste Zodíaco - em que acompanhamos a luta em desvendar o homem por trás das mensagens enigmáticas e dos assassinatos que chocaram São Francisco e regiões adjacentes durante o final de 1960 e toda a década seguinte - esta contradição toma cores viscerais. E esta é apenas uma das características que fazem o último trabalho do sempre superestimado David Fincher pairar acima da mediocridade do cinema americano feito hoje em dia.

Tendo como base os assassinatos de um vaidoso serial killer, o roteirista James Vanderbilt constrói uma atmosfera perfeita para externar as frustrações de uma sociedade sem identidade. Cenas de violência (mais sugeridas que propriamente explícitas) em uma reconstituição de época muito charmosa. O desconforto da redação do San Francisco Chronicle, aonde os telefones tocam sem parar. Deliciosas referências da época – anúncio do show dos Stones em Altamont, movimento hippie e exploração dos assasinatos do Zodíaco pela mídia. Além destas excelentes escolhas, a delicada construção dos personagens é outro mérito da produção. A insegurança de um jovem cartunista obcecado por uma descoberta. O policial casca grossa que luta contra as limitações estruturais e burocráticas da própria corporação policial. O talentoso jornalista que se perde no meio da avalanche da vida pessoal. E o contraditório assassino - um cara conservador, mas com uma vaidade que se satisfaz por meio da publicidade dos seus feitos. Zodíaco reúne com propriedade esses elementos e os joga na cara do espectador, amargurado por saber de antemão o final inconclusivo reservado ao esforço dos personagens.

O filme é bom, mas, na minha pobre opinião, tem um defeito que credito ao seu realizador maior – David Fincher. Zodíaco se leva a sério demais mesmo se valendo de uma estrutura cinematográfica sem grandes inovações. O filme é pesado para sessões regadas a pipoca, mas definitivamente está longe de ser um cult movie como alardeia a crítica impressionável. Mesmo diante de tanta pretensão, o diretor não cria um novo conceito de fazer cinema. A badalação apenas corrobora as palavras de Tony Bennet em “I left my heart in San Francisco”. Mais apropriado impossível.

Ponto Alto: O personagem Allen foi brindado com a interpretação bacanérrima de John Carroll Lynch.

Ponto Baixo: como o roteiro se baseou nos escritos de Robert Graysmith, tenho dúvidas sobre a fidelidade no retrato deste personagem.

3 de junho de 2007

Turistas


Iria passar despercebido por aqui e pelo mundo. A mediocridade da própria obra já a deixaria no ostracismo. Mas bastou uma notinha no Fantástico pra neguim ficar doido com o preconceito dos estrangeiros diante do Brasil, fato apresentado em tons caricaturais neste Turistas. Comunidade no orkut, debates em fóruns de discussão e milhares de e-mail detonando a produção. Mal perceberam que foi justamente a publicidade da polêmica que tirou esta bomba do escuro. O filme apresenta um Brasil primitivo? Certo. Os mocinhos lançam pérolas preconceituosas? Exato. Mas agora, diga a verdade, pra que se importa com tanta besteira? Não é novidade pra ninguém, como diz um mané lá no filme, que os estrangeiros ricos só buscam “mulher, praia e diversão” por aqui. O cinema hollywoodiano é uma máquina de fazer estereótipos, exemplo disso é o próprio interior americano, retratado muitas vezes como um lugar perigoso e de gente pouco amistosa. Exigir respeito com o Brasil seria demais. Mas se importe não, pois os algozes de Turistas são seus próprios realizadores.

Voltamos ao filme. No início é engraçado ver como os estrangeiros lidam com as limitações estruturais do nosso país. Pois bem, depois de um acidente de ônibus, um grupo de seis estrangeiros (três americanos, dois ingleses e uma australiana) vão parar em uma praia isolada, numa região, ao que deu pra perceber, entre a Bahia e Pernambuco. Mesmo assim todos os habitantes do lugar têm sotaque carioca. Para causar confusão ainda maior - as filmagens foram realizadas em Ubatuba. Pois bem, a turma encontra dois outros civilizados (um casal de suecos). Muita música – trilha sonora é do Marcelo D2 - e diversão. A galera ainda conhece o boa-praça Kiko (Agles Steib), que arranha o inglês e vai ter um papel de destaque ao longo da trama.

No início, Turistas se carrega como um trash divertido de tão ridículo, mas depois que a turma é drogada e roubada – isso lá pela meia hora de filme - aí a graça acaba. O terror não acontece apenas do lado de lá da tela, aqui o espectador também passa por momentos de pura angústia. Não pela aflição das cenas, mas pela ruindade da fita em si. Sabemos a posterior que o vilão que seqüestra turistas para retirar seus órgãos, o temido Zamorra (Miguel Lunardi), é o cara mais sóbrio da produção. Excetuando-se os excessos de maldade, o cara é um tremendo humanitário. Hahahaha. Enfim, uma cena forte de dissecação e muitas imagens escuras pra esconder as limitações deste filmeco de quinta categoria. A incoerência do roteiro é algo de assustar o telespectador mais easy go. Todos comparam com O Albergue, mas o filme de Eli Roth, apesar de bem irregular, perto desse é uma obra-prima. Turistas é mesmo horripilante.

Ponto Alto: peguei o filme em DVD e dei uma passada nas cenas deletadas. Quem editou esta bomba deve ter, no mínimo, bom senso. E cada merda que ficou de fora - não vale o comentário.

Ponto baixo: não contive a gargalhada ao ouvir Fico Assim Sem Você (música de Claudinho e Buchecha) na voz de Adriana Calcanhoto no encerramento deste clássico.