9 de janeiro de 2017

Aliança do Crime


Johnny Depp mais uma vez rouba o filme no papel do gângster de ascendência irlandesa James Bulger, que aterrorizou o sul da cidade de Boston nas décadas de 70 e 80. Bulger foi apenas mais um bandido cínico, cretino e amoral não fossem dois detalhes relevantes em sua biografia: o primeiro era ser irmão do senador democrata (que no filme não é explorada com as cores que deveria) e o segundo foi a relação promíscua que mantinha com agentes do FBI com quem cresceu nas ruas de Boston. Bulger usou a vaidade de um agente para tirar do seu caminho a máfia italiana, responsável por comandar o norte de Boston e sabe como é, policial irlandês em Boston etc e tal.

Apesar de inegáveis acertos, Aliança do Crime é um daqueles filmes masculinos com muito estilo e pouco conteúdo. Boas sacadas, frases adultas, esperteza de todos os lados (menos de dois agentes do FBI), mas falta um ritmo mais adequado para pontuar as ações. Muito dessa falta de eficiência se deve a um dos personagens centrais do filme, que não engata de jeito nenhum e põe tudo a perder. O tal policial federal Connolly, vivido pelo pouco conhecido Joel Edgerton. O personagem era pra ser o mais complexo da trama, entretanto mostra-se apenas um vaidoso medroso sem nem uma pitadinha de ambiguidade. O personagem era grande e Edgetrton não acertou o tom – vide as cenas em que sua mulher (vivida por Julianne Nicholson) o bota contra a parede. Naquela relação fraternal e promíscua entre policiais e bandidos que cresceram juntos, só me vem à cabeça o Richie Roberts de Russel Crowe em American Gangster. Essa deveria ter sido a referência para construção do personagem que pelo mal uso do seu poder transformou um bandidinho de meia tigela, que extorquia comerciantes no sul de Boston, em uma lenda do crime numa escalada brutal de violência, poder e crueldade. Foi o “Estado” em sua perseguição monocromática ao inimigo da vez quem inventou este mito de Bulger. E isso não é ficção.

Agora vamos falar de coisas boas. O filme que tem uma reconstituição de época memorável, os carros, o figurino, o cenário são espalhafatosos na medida exata. Os fones dos aparelhos de escuta dos agentes federais são divertidíssimos, mas apesar de serem trambolhos coloridos, como os assustadoramente imensos óculos do Sam Rothstein de De Niro no final de Casino, encaixam, funcionam e em última análise aparecem até “elegantes” no contexto da reconstituição de época.

Pausa para uma incipiente análise sobre a construção do protagonista, que é uma figura estranhamente grotesca e parece mais saído de uma fantasia com a marca da parceria Johnny Depp/Tim Burton. E vale dizer que o gangster de Johnny só não vira uma caricatura por conta do carisma, vivacidade e inegável talento do ator. Assustador, impõe uma lógica de justiça implacável e ameaçadora, que só vai crescendo e culmina na morte de qualquer um. A banalização de uma violência tão explícita apenas escancara a crueldade de Bulger. Muito branco, careca, olhos claros e com dentes escurecidos, Bulgler é o típico bandido das máfias locais que pipocaram nos Estados Unidos em meados do sec. XX e tinham a identidade fortalecida pelo fato de pertencerem, grosso modo, a uma mesma “cidadania”. A cena na mesa de jantar de Connolly é de arrepiar e a crueldade de usar as próprias mãos em seus crimes deixa de lado qualquer traço de bandido idealizado. Filha da putice e escrotidão em doses altíssimas. Ponto. Até o traço de fraternidade entre os irmãos irlandeses católicos, no caso de Bulgler, toma proporções assustadoras quando ele passa a financiar, do seu jeito, as ações do IRA lá na terrinha. Aliança do Crime está longe de ser Donnie Brasco, mas temos de reconhecer que sempre é bom rever Depp testando sua versatilidade com a gangsteriada dos anos 1970 e 1980. Fica a dica! 

Ponto Alto: Peter Saasgard tem um papel menor, mas se sai muito bem. Um suado canalha medroso que tem papel importante no desenrolar da trama. 

Ponto Baixo: o fato de um gangster ser irmão de um senador é curioso demais. Mas talvez com medo de tocar em feridas ainda não cicatrizadas o filme nada mais faz do que isentar de culpa o senador Billy Bulger - Benedict Cumberbatch, que, pouco exigido, fez um trabalho pra lá de econômico.