Scanners

Outro fator que chama a atenção são os inquestionáveis méritos técnicos. Estamos falando de maquiagem e efeitos em cenas que cabeças explodem. Tinha tudo para ser ridículo e/ou infantil, mas não é. Há vários momentos memoráveis que exemplificam o porquê de Scanners ter virado uma referência para os apreciadores de filme pouco convencionais. A aparição do vilão Darryl Revok (Michael Ironside), por exemplo, merece uma citação – entrada triunfal. Ironside é um ator de segundo escalão em Hollywood, mas com muito carisma está um passo a frente dos protagonistas. Ele é daquele tipo que você até lembra os filmes anteriores, mas não sabe o nome. Em Scanners, está em um dos seus melhores momentos com certeza!
O problema é que apesar da sofisticação técnica, o filme se conduz por um fio de trama que, em pleno século XXI e com uma cultura que não teme em se repetir, parece bem mais desinteressante. Telepata scanner boboca, Cameron Vale (Stephen Lack), é treinado por uma grande corporação para caçar scanner que prega a supremacia dessa “espécie” humana. Parece coisa de história em quadrinho manjada como X-men. De resto, as reviravoltas comuns do roteiro: ligações “inesperadas” entre os personagens e perrengas mal-resolvidas do passado. Você já viu isso antes, mas em 1981 isso era inovação. Pode acreditar!
Ainda na posição de advogado do diabo, outras seqüências merecem desagravo. Há, por exemplo, uma cena em que o herói se disfarça de funcionário de uma empresa farmacêutica para uma investigação. Isso é a cara do James Bond. Vaias para Cronenberg. Nove meses trabalhando e deixa passar isso. Outra cena de doer é a patética reviravolta que antecede o clímax. Este, por sua vez, é muito bem realizado. Só mais uma - o caso sem sal do fraco protagonista com a bela Kim Obrist (Jennifer O’Neill) é sofrível. Detalhe: a moça é brasileira, isso mesmo, carioca da gema. Sei lá se isso pode servir de orgulho pra alguém, mas, ao menos, ela é boa atriz, além de ser bonita e muito charmosa.
Apesar dos pontos fracos, Scanners vale pelos efeitos visuais deslumbrantes e cenas memoráveis. A perseguição ao furgão é um dos pontos altos, além do duelo final. Só consigo lembrar de supercine. Na minha época, a sessão de sábado à noite era dedicada a policiais violentos com Burt Reynolds e afins e bons suspenses. Não eram tramas bobocas de adultério feitas para a televisão, como acontece hoje em dia. Um pouco de saudosismo não faz mal a ninguém.
Além do mais, o filme é a cara do seu realizador. O clima frio, incômodo... Trilha sonora datada... O artista plástico scanner e suas bizarras instalações... Tudo remete ao tom desesperado e perturbador de um Cronenberg ainda não totalmente maduro. Lembra mais Enraivecida e Videodrome nos acertos e também nos erros. Ignore as continuações e até a promessa de um remake, pois o melhor é mesmo o original. O cineasta evoluiu e muito, mas é fato que Scanners virou referência. Apesar dos contras, ainda vale a pena saber o motivo de tanta badalação!
Ponto Alto: O confronto com um mestre de ioga, que controla os batimentos cardíacos, é deliciosamente kitsch.
Ponto Baixo: Stephen Lack não tem um pingo de carisma.