Barra Pesada

O roteiro, escrito por Reginaldo Farias, gira em torno de Queró (Stepan Nercessian), pivete inexpressivo no concorrido mundo marginal carioca. Ele vive de pequenos roubos e golpes em turistas na companhia do inseparável amigo Negritim (Cosme dos Santos). Ao desafiar um malandrão numa partida de sinuca, complica-se de vez ao ter que levantar um bom dinheiro até o dia seguinte. Os pequenos assaltos não rendem muita coisa e o pior é que a dupla é extorquida por dois informantes da polícia. Tudo vai mal e ele jura que se tivesse uma arma, conseguiria sair daquela mediocridade que não lhe garante respeito no próprio ambiente. O momento de destaque nesta apresentação do protagonista é o roubo cruel a Naná, empregado-faz-tudo na casa do meretrício. Queró espanca a vítima como se quisesse se vingar de todos os que o subjulgam. O homossexual carente a sua frente é, por incrível que pareça, pior que ele. É um dos raros momentos na vida em que se sente superior a alguém. Extrapola a condição de humilhado e vira algoz. Não sabe lidar com a situação e o reflexo é uma explosão desnecessária de violência.
A vida de Queró começa a mudar, quando o objeto do desejo, “a draga”, aparece reluzindo nas mãos do traficante meia-boca Xupinha. Oportunidade única. O assassinato e a série de reviravoltas que se seguem o encorajam a mudar de vida. Apesar do esforço da fuga constante, Queró sente pela primeira vez o prazer de ser importante, de valer alguma coisa. Mesmo assim, o conflito com o novo estilo se resume na pergunta macabra da nova companheira, a prostituta Ana (Kátia D’Angelo): “Você sabe que é trouxa, né?! O rei dos trouxas!”. O padrão de vida mais sofisticado não faz Queró perder a essência de desamparado. Continua mané, mas agora é o alvo principal dos dois principais traficantes do submundo carioca e também da polícia. A situação fica difícil. Acuado, se refugia em um terreiro de macumba. O desfecho é um espetáculo.
O filme não é realmente agressivo e não chega a ser incomodo. Tem uma narrativa até certo ponto confortável, sempre pontuada por um humor legítimo. Essa leveza na construção alivia em parte o impacto desta obra singular da filmografia policial brasileira. Isso é detalhe menor perto de Milton Moraes, Wilson Grey e Lutero Luiz como legítimos representantes da vida cafajeste brasileira. Barra Pesada é pra ser visto e revisto com a despreocupação de uma época em que o cinema brasileiro não soava hipócrita ao retratar a realidade.
Ponto Alto: o leal Negritim (Cosme dos Santos). Ele personifica a ponta de bondade e cumplicidade em um universo sem perspectiva. Engraçado constatar como Cosme dos Santos não envelheceu nada de 1977 pra cá.
Ponto Baixo: a fotografia é cuidada demais. Em alguns momentos, sente-se falta daquela estética escura e suja.